Nos palcos de teatro, um ator ou atriz se vale da interpretação e dos atos próprios da arte para contar histórias com o objetivo de atingir as emoções da plateia. Mas é no trato com as próprias emoções que o espetáculo começa. Do adolescente que só tirava notas excelentes que sobreviveu a três meses de estado de coma, decorrência de uma meningite aos 14 anos, Wilson Gomes de Sousa veio à vida para ser emissor de outras tantas histórias. Contrapondo qualquer ideia sobre limites, ele deu início à trajetória de ator em 1978, aos 19 anos.
“Os médicos chamaram minha família e mandaram providenciar o enterro porque eu não iria viver”, conta. A perda da audição e dificuldade na fala adquiridas no episódio de completo silêncio no hospital não deixaram seu mundo incompleto. Desistir não é verbo presente na vida de Wilson, registrado no Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado do Piauí (Sated) com o nome artístico Shana de Sousa. “Também sou o primeiro ator deficiente auditivo a fazer teatro no Brasil desde 1978”, completa.
Influenciado pelo professor de educação artística Paulo de Tarso, ainda na década de 1970 resolve atender ao convite e participar de uma oficina de teatro com Ivo Mesquita, do Rio de Janeiro. “A família dizia que não adiantava estudar, mas mesmo com meu problema de audição e na fala eu fui atrás do que queria e continuei”, relembra o artista, que nasceu no interior de Duque Bacelar (MA), passando a residir com a avó em Teresina aos 8 anos, após a morte da mãe.
Disposto a incendiar as expectativas dos professores, Wilson colocou o corpo em chamas no palco de encerramento da oficina que o revelou. “Interpretei meu corpo pegando fogo. Era como se fosse uma pessoa saindo das labaredas. Eles amaram e eu comecei a frequentar o Theatro 4 de Setembro, depois criei o Grupo de Teatro Nazaré”. Dos palcos, Wilson foi para as telas de cinema e televisão. Foram pequenas participações em cenas de quatro filmes e duas novelas da TV Globo – Sete Pecados (2007) e Cheias de Charme (2012).
Ao assumir as funções de ator e diretor, em 1980 ele fez Chico e a Seca, que lhe rendeu o primeiro prêmio pela Secretaria Estadual de Cultura do Piauí (Secult) na narrativa sobre o drama da seca no Nordeste. As questões sociais e o cotidiano da vida comum passariam a ser algumas de suas marcas. “Gosto de escrever sobre realidade. Não tem graça escrever algo sem as pessoas saberem que aquilo aconteceu ou ainda acontece”, explica o ator e dramaturgo, que trabalha ainda em composição de figurinos, maquiagem e escreve versos para algumas de suas peças. Wilson é também formado em Jornalismo e diz utilizar, da formação, a habilidade com a escrita, revisão de textos e elaboração de sinopses.
Queria ter um lugar para ensaiar e trazer os espetáculos para quem não tem condições de ir ao centro
No currículo de quase 40 anos de carreira são registrados, além das interpretações, 12 textos entre três monólogos, teatro infanto-juvenil e comédias. Somente com o monólogo Diário de Uma Feirante, dirigido por Cláudia Santos, o ator conta ter recebido 38 prêmios. Em seus trabalhos, são muitas as referências às mulheres, quase sempre lidando com dificuldades de sobrevivência, aceitação e enfrentamento a opressões de gênero e classe social. Na maior parte das vezes os retratos se dão de modo bem-humorado ou satírico.
O trabalho de Wilson tem a metodologia própria de um pesquisador que afirma não se misturar com o objeto. “Eu pesquiso, estudo e faço laboratório. Quando a gente nasce para a arte não se importa com o estilo do personagem, mas é preciso sentir na pele”.
Recebido em palcos famosos como o do Teatro Cacilda Becker (RJ), Wilson afirma ter negado o convite para morar na capital carioca, deixando falar mais alto o carinho por seus cachorros e gatos e o apego à casa que construiu no bairro Extrema, zona Sudeste de Teresina, fruto das economias do emprego em uma biblioteca municipal e dos anos de trabalho no teatro. “Arte não dava dinheiro e está melhorando agora”, afirma.
Wilson é do tipo militante da arte. Em sua residência construiu o teatro que leva o nome de Maria de Nazaré Néri, sua mãe. “Comprei o lote e fui fazendo a casa de taipa mesmo antes de conseguir dinheiro para os tijolos. Queria ter um lugar para ensaiar e trazer os espetáculos para quem não tem condições de ir ao centro”, revela o artista.
Inaugurado em dezembro de 2014, o teatro oferece oficinas gratuitas de atuação para crianças do bairro, com aulas aos sábados e domingos, sob a promessa: “venha desfrutar de uma ótima profissão de ator/atriz e percorrer os palcos do país e, quem sabe, do mundo!”. A propaganda fica exposta na entrada do local, próxima de uma mensagem com dicas para ter um dia melhor.
Figura conhecida no meio artístico, Wilson fez parte dos primeiros movimentos de corso carnavalesco em Teresina, desfilando no “caminhão das raparigas, as meninas proibidas da sociedade”. Ele relembra: “O caminhão das raparigas era a maior atração do carnaval. Sem ele não tem mais graça”. O ator ainda registra que desfilou em quase todas as escolas de samba da capital e garante: “tenho samba no pé”.
Wilson pensa grande, como a conquista dos palcos internacionais. Ele diz que recebeu convite da escritora e atriz Isabel Ferreira que, de Luanda, Angola, enviou um texto para que o ator faça a montagem do espetáculo. “Estou estudando e comparando a realidade entre os dois países. Quando estiver tudo pronto, eu irei apresentar lá”, conta animado.
Ele também sonha com a atuação em novelas e filmes completos e, acredita, a prerrogativa de um bom ator é estar preparado para tudo, do contrário, a profissão não terá sentido. Os horizontes do artista parecem não ter fim e a alegria que afirma sentir pelo reconhecimento do público através dos aplausos (mesmo que não ouça o som emitido) se dá ao alimentar um ideal simples para sua arte: “mostrar o que tem aqui dentro”.
(Publicado na Revestrés#37- agosto-setembro de 2018.)