Conhecido por ser campeão nos desfiles das escolas de samba de Teresina, Pereira Falazar é franco, tem fala mansa e, se o assunto não for carnaval, parece não se importar com pompa e exuberância – o glamour de suas fantasias é o oposto do seu jeito simples.

O carnavalesco mora na zona Norte de Teresina e tem como companhia o cachorro Negão, vira-lata dócil que se espreguiça na cozinha enquanto seu dono nos recebe. Não ostenta muita decoração pela casa, exceto por alguns troféus e uma fantasia que parece ter escolhido para nos mostrar. Na sala, uma placa de comunidade de terreiro revela: em homenagem a Pereira Falazar, por sua humildade e simplicidade.

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Pereira Falazar por Maurício Pokemon

Praticante do candomblé, o artista visual coleciona esculturas. “Candomblé! Umbanda, não”, reforça. Atualmente empenhado no projeto da Praça dos Orixás, ele se divide entre as atividades carnavalescas e o planejamento e produção dos monumentos no Parque Lagoas do Norte. “Essa praça vai ser minha grande realização. Eu vou ver meu trabalho exposto para a vida toda. As pessoas vão perguntar: quem fez? Foi Pereira Falazar! Ah, aí é diferente”, diz orgulhoso.

De Miguel Alves, morou em José de Freitas dos 9 aos 18 anos, idade em que veio para Teresina. O objetivo era servir ao quartel, mas as habilidades de desenhista lhe traçaram outro destino. “Quando cheguei em Teresina, fui convidado para substituir o Hostiano Machado numa empresa que fazia placas luminosas”, conta. À época, Hostiano produzia o carnaval para a Skindô, escola em que Pereira Falazar foi seu ajudante por quatro anos. “Eu nem gostava, não sabia nem o que era, mas quando me espantei, já estava no carnaval”, conta.

O Paulo Barros, famoso hoje, já passou 15 dias comigo aqui. Na época, ele não era o Paulo Baaarros

Seu primeiro trabalho foi para a escola Batucão. “Era pequena, mas no ano em que fiz o carnaval a escola ganhou”. Essa experiência lhe rendeu o convite de Fernando Monteiro, presidente de honra da Ziriguidum, para criar e produzir o enredo da escola fundada em meados dos anos 70. Hoje é o carnavalesco titular da agremiação mais premiada de Teresina. Desde então, tem produzido carnaval há quase 40 anos.

Entre seus enredos mais famosos estão “Faz-se luz”, trajetória que vai da descoberta do fogo à eletricidade; “O Piauí está no mapa, sim senhor”, após a polêmica gerada em torno de um livro de geografia publicado sem o mapa do Piauí; “Magia do número 7”, sobre os mistérios e enigmas que envolvem este número e “Um voo ao ano 2000”, de enredo futurista. “Na época, as pessoas tinham muita expectativa para os anos 2000”, conta mostrando croquis sobre o tema que desfilou nos anos 80 e foi considerado revolucionário para a época.

Nos anos 2000, a necessidade de acompanhar as grandes produções levou Pereira Falazar a estudar mais. Conheceu profissionais do Festival de Parintins, no Amazonas, e foi ver, de perto, o trabalho das grandes escolas do Rio de Janeiro. No coração do samba, estudou com Joãosinho Trinta, carnavalesco conhecido por assinar enredos para escolas como Salgueiro, Beija-Flor, Grande Rio e Vila Isabel. “Você tem que estar atualizado”, defende. “O Paulo Barros, famoso hoje, já passou 15 dias comigo aqui. Na época, ele não era o Paulo Baaarros”, fala arrastando o “a”.

IMG_3944Seu processo criativo é minucioso: escolhe um assunto, escreve o enredo, monta um cronograma, planeja as apresentações da comissão de frente, mestre-sala e porta-bandeira, nomeia alas e só então cria os figurinos. “Eu trabalho assim, né”, diz modesto. Cria trabalhos tanto para avenidas quanto para apresentações menores – uma espécie de carnaval versão de bolso. “Eu já tô bolando um show com cerca de 50 pessoas. Vai ser uma retrospectiva de todos os enredos da Ziriguidum”, adianta.

Em seu quintal, o puxadinho construído guarda parte de seu aparato e algumas poucas fantasias. Usa todo tipo de material, dos mais baratos aos mais sofisticados: ferro, espuma, papelão, paetê e até cristal de swarovski. Desfilou algumas vezes com seus próprios figurinos, mas entre os que costumam encomendar suas fantasias de luxo está o apresentador de televisão Mariano Marques.

Foi figurinista do Armazém Paraíba e cronista social, mas hoje, além do carnaval, dedica-se às artes plásticas e confecção de figurinos para festas escolares. “Eu faço muita coisa, então, você vai adquirindo conhecimento”.

Entre as premiações, coleciona títulos de primeiro lugar não só de competições entre as escolas de samba, mas também de carros alegóricos feitos para desfilar no Corso. Destaque para o trabalho “Esplendor de um Deus Pagão”, terceiro lugar no Concurso Nacional de Fantasias de Luxo, tendo ficado atrás somente do Rio de Janeiro e Recife. Evento normalmente realizado no Rio, esta foi a vez que a etapa nacional aconteceu, excepcionalmente, no Teresina Shopping. “Estão aí os troféus”, fala sem maior entusiasmo.

Em uma época em que se fazia carnaval na base do mutirão, Pereira Falazar, entre outros artistas, foi  um dos responsáveis pelo caráter mais profissional atribuído à comemoração. Apesar do zelo pela festa, ressente-se com a desvalorização. “Depois do carnaval, você chora porque desfazem aquelas esculturas e, se não tiver carnaval no outro ano, ficam lá jogadas, sem o menor valor”. Após décadas de trabalho, Pereira Falazar considera que ainda existe muito por fazer. “Já fui campeão, isso é importante, mas ainda estou correndo atrás”.

(Matéria publicada na Revestrés#29 – Fevereiro/Março 2017)