José Bezerra abre as portas do lugar onde mora, como se estivesse fazendo um mote para cantar ao coração. Aos 89 anos, ele tem a escuta fraca e o andar apoiado por uma bengala. Sem muitas burocracias, parece sempre estar à espera de alguém disposto a ouvir a palavra da cultura popular. “Desculpa a tosse, é que tô doente. Por isso não posso falar muito, senão fico sem voz”, justifica. Mas antes de começar a contar tudo, preocupa-se em diferenciar o cordelista do repentista e do cantador, e prefere deixar claro: “Eu não sei cantar, eu sou poeta popular”.
Para contar a própria história, José Bezerra levanta com dificuldade da cadeira de espaguete e pega um cordel pendurado na corda de barbante. “Nesse daqui eu conto do dia em que nasci”, aponta para o folheto intitulado Quando nasce a poesia, nasce também o poeta, e começa a declamar os versos escritos em estilo próprio. “No dia que eu nasci / Qui a parteira me pegô / Foi pegando e dizendo / É o rei dos cantadô / Minha mãe mi jogô fora / Mas o pai de mim cuidô / Fiquei mal acostumado / Qui nem no roçado eu vô”.
Autodidata, o poeta popular aprendeu sozinho a ler e a rimar. “Quando eu comecei a aprender a ler, aí eu comecei a escrever também cordel. Porque eu não tive escola”, relembra. Para conseguir entender melhor o ajuntamento das palavras, comprou uma Cartilha do ABC, que se transformou em seu primeiro cordel. “Meu trabalho começa por aqui, com a Cartilha que eu fiz”, aponta para o exemplar preso com o prendedor de roupa. Com ele em mãos, desata: “Aqui cada estrofe tem nomes que começam com uma letra do alfabeto. Eu fiz isso para ficar mais fácil saber as letras”.
Mesmo começando a escrever versos bem cedo, aos 10 anos de idade, o sargento reformado da Polícia Militar só teve seu primeiro folheto publicado em 1985, aos 56. Com a ajuda dos netos, os escritos foram organizados e hoje estão reunidos em diversas publicações, muitas delas assinadas como Águia de Prata, seu pseudônimo. “Eu tenho pouco mais de 70 folhetos e 10 cordelivros. Eu escrevo primeiro à lápis, em um caderninho. Depois passo para minha máquina de escrever e o meu neto passa para o computador. Daí mandamos para a gráfica”, conta.
(Matéria completa na Revestrés#38 – novembro-dezembro de 2018)