Quase todos os dias, desde que deixou de trabalhar como bancário, Deusdeth Nunes dos Santos, mantém a mesma rotina. Acorda cedo e faz uma caminhada na avenida Raul Lopes, zona Leste de Teresina. No restante do dia, se ocupa com as funções de cronista esportivo, humorista e aposentado.

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Deusdeth Nunes por Maurício Pokemon

Garrincha, como é mais conhecido, chega à redação do Jornal O DIA por volta das 9h, lê todos os jornais locais, conversa com os repórteres mais jovens, faz alguma piada, brinca com os assuntos que estão no noticiário e faz uma ou outra reclamação antes de sentar à frente do computador para escrever a coluna Um Prego na Chuteira, que existe há 54 anos e é a mais antiga do Brasil.

O cearense, natural de Aracati, poderia ter optado por ser apenas mais um funcionário público do Banco do Brasil, mas chegou ao Piauí e decidiu se aventurar na crônica esportiva. “Eu vi que tinha um campo aberto. Na época, existiam os jornalistas Carlos Said e Pedro Mendes Ribeiro. Cabia mais um”, recorda.

Começou na Rádio Clube, com um programa de esporte e humor. Depois foi para a Rádio Difusora, passou pela Tropical e encerrou a carreira de radialista na Pioneira. Já tinha começado a escrever para o impresso. Primeiro no Jornal do Comércio e, em seguida, se consolidou como colunista do Jornal O DIA.

Achou pouco fazer todas essas atividades. Vestiu a camisa sete do Rio Negro Esporte Clube, ocupou a posição de ponta-direita e foi então que ganhou o apelido. “Minhas pernas eram tortas como a do jogador famoso, e eu jogava muito bem. ‘Esse cara parece com o Garrincha’, era o que diziam”, gaba-se.

A carreira de jogador acabou após quatro anos, junto com a extinção do Rio Negro. A semelhança física com o Garrincha também não existe mais. As dores provocadas pelo desvio das pernas exigiram uma cirurgia nos dois joelhos. “Doía mais do que o necessário, então eu consertei. Foi ainda uma questão estética”, admite.

Tive uma mulher morena, uma branca e agora uma loira. De vez em quando a gente faz amor, mas é difícil

Sem a carreira de jogador, Garrincha se dedicou a escrever. As crônicas esportivas e os assuntos gerais da cidade de Teresina renderam a publicação de mais de 10 livros.

De todas as atividades desenvolvidas ao longo da vida, a de cronista é a única que o Garrincha do Piauí mantém até hoje. “É o motivo que eu tenho para amanhecer todo dia. A convivência com as pessoas, a necessidade de me sentir útil, ter amizades, prestar um serviço. É pra isso que a gente vive”, afirma.

As informações que publica na sua coluna, Garrincha consegue nos encontros com amigos. “Eu dou expediente no supermercado, no shopping, no Bar do Zé Filho. Depois que saio do jornal eu gosto de ir na seção dos aposentados, na agência do Banco do Brasil do centro. Também me encontro com alguns grupos na Praça Pedro II e na Rio Branco”, conta.

Como um bom repórter do tempo em que não havia internet e redes sociais, é nesses lugares onde Garrincha procura o que fazer. “Eu vou atrás das novidades, das fofocas e das mentiras pra colocar na coluna. O pessoal mente muito. Diz logo que tá namorando. Todos velhos mentirosos, contadores de vantagem”, entrega.

Quando não tá no jornal ou na rua, Garrincha se dedica à família. “Biúvo”, como ele mesmo diz, casou-se a terceira vez, após perder duas esposas. “Tive uma mulher morena, uma branca e agora uma loira. De vez em quando a gente faz amor, mas é difícil”, brinca, dando ênfase à segunda sílaba da palavra.

Pai de quatro filhos, avô de quatro netos e bisavô de um menino, o ex-jogador, bancário aposentado, escritor e eterno cronista esportivo só não gosta de revelar a idade. “Não digo. Nasci em 38. Faça as contas”…

(Matéria publicada na Revestrés#31 – Junho/Julho 2017)