Foto: Maurício Pokemon

O primeiro nome era Caldinho do Barbosa, mas pela frequência com que os vizinhos chamavam o lugar, o que acabou pegando mesmo foi Pernambuco. Para dar uma incrementada, Eládio Barbosa achou por bem chamar de Pernambuco Dream Bar. “Em Recife, meu pai trabalhou com turista estrangeiro e gostava do inglês. Ele preferia chamar de bar, achava restaurante muito pomposo”, diz já sem sotaque que acentua o “t” e o “d” Éder Barbosa, 32 anos, sobre a história do pai.

O nome gringo, que significa sonhar, remete à época em que o restaurante passou a funcionar também no turno da noite, inicialmente, a pedido do proprietário do posto de gasolina ao lado. Ele achava que ter um estabelecimento vizinho aberto reforçaria a segurança na região. O restaurante acabou se tornando rota dos baladeiros de plantão.

“O pessoal come pra ir pra festa, come voltando da festa, come pra ir dormir e tirar a ressaca. Tem gente que sai do trabalho e almoça ou, às vezes, passa só para tomar uma cerveja e acaba ficando até mais tarde”, diz Eder sobre o restaurante que fica aberto das 10 às 5h do dia seguinte e só fecha em dois feriados do ano. Aos fins de semana, três mil pessoas chegam a circular pelo local. Mesmo em plena segunda-feira à noite, somos interrompidos por cumprimentos de visitantes. “Tem gente que eu conheci quando era menino e até hoje anda aqui”, conta sobre as amizades de Eládio Barbosa cultivadas pela família no bar que funciona há 26 anos no mesmo endereço, Centro/Norte de Teresina.

O pessoal come pra ir pra festa, come voltando da festa ou, às vezes, passa só para tomar uma cerveja

O cardápio vai de mão-de-vaca a panelada, passando por sarapatel, cachorro-quente e feijoada. Essa última, servida aos fins de semana, foi o carro-chefe do restaurante em sua fundação por utilizar defumados, ingredientes que não eram encontrados na época em Teresina, e é procurada até hoje. Já teve até peixe-agulha, exclusividade do litoral de Pernambuco e Paraíba. “Cada um tem uma preferência diferente e, assim, a gente vai tentando agradar a todos”, diz Éder.

Mas o preferido de muitos, sem dúvida, é o arrumadinho. Prepare em camadas de feijão verde, uma generosa porção de farofa, carne de sol cortada em cubos e frita na manteiga de garrafa, vinagrete de tomate, cebola, pimentão, coentro e temos o arrumadinho “pernauiense” – uma adaptação do arrumadinho pernambucano em que se usa carne de charque. “Não tem segredo porque a receita todo mundo conhece”, diz. Hoje, o arrumadinho dispõe de três tamanhos, de acordo com a fome do cliente: “caçulinha”, “pequeno” e “médio”, este último podendo servir até três pessoas.

Foi em meados de 1990, quando um famoso restaurante em que Eládio Barbosa trabalhava em Pernambuco fechou, que ele viu a oportunidade de abrir o próprio negócio. Por recomendação do cunhado, Eládio e família partiram rumo a Teresina em busca de mais tranquilidade. Com novos amigos pela região do bairro Mafuá e a torcida dos vizinhos que já tinham provado sua comida, transformou a garapeira alugada em destino certo de quem não dispensa comida regional e cerveja gelada.

De Surubim (PE), Eládio Barbosa trabalhou como ajudante em bares e restaurantes de Recife desde adolescente. “Lavou copo, foi garçom, cozinheiro, fez tudo”, conta Éder. Conheceu a dona Maria de Lourdes de Lima, com quem teve os três filhos que, hoje, juntamente com a mãe, tocam o negócio: Elton Fábio, estudante de gastronomia e ganhador do segundo lugar no Festival Maria Isabel em 2015; Eder Barbosa e Eládio Júnior, que se revezam na parte administrativa do restaurante.

Foto: Maurício Pokemon

Quando o assunto é futebol, o bar também é uma extensão de Pernambuco. Quem é torcedor do time Sport Club do Recife tem cadeira cativa para assistir aos jogos transmitidos religiosamente e, ainda, tem a chance de experimentar a caipirinha da cachaça pernambucana Pitú.

Despretensiosamente, a família faz festas para amigos ou decorações que acabam caindo no gosto dos clientes. “A gente fez algumas comemorações”, conta Éder sobre homenagens ao Dia do Frevo e prévias de carnaval em que os vizinhos mais que aceitaram interditar a rua: ajudaram a decorar e organizar. “Você não cansa quando faz algo que gosta. Às vezes eu estou em casa e penso: ‘como será que tá no bar?’, venho e pronto, não saio mais. Tem funcionário que está de folga e vem pra cá – alguns estão desde a fundação e formaram os filhos”, orgulha-se Éder.

Com duas equipes que trabalham em escala de revezamento, o restaurante conta ainda com diaristas aos fins de semana quando o movimento é intenso. “Tem a equipe do dia e da noite”, explica. Numa noite agitada, história para contar é o que não falta. “A gente vê de tudo”, diz Eder, referindo-se a episódios como brigas de casal ou quando atendem músicos famosos e jogadores de futebol que passam pela cidade.

Estampada na frente da casa, a frase que remete ao seu Eládio é pra não deixar que ninguém se esqueça: “a obra mantém viva seu criador”. Há nove anos, a família toca o barco sem o capitão, mas nem por isso estão à deriva. “Às vezes eu brinco com minha filha que daqui a alguns anos ela vai tomar de conta”, diverte-se sobre as experiências da menina de 12 anos no caixa do bar. Seu Eládio parecia prever que a escolha do “dream” no nome do bar não seria à toa: seu sonho foi transformado em realidade.

(Matéria publicada na Revestrés#27 – Outubro/Novembro 2016)