Das 8h da manhã às 8 da noite o que se ouve no balcão é sempre o mesmo pedido: um suco com salgado! Em poucos minutos o cliente é atendido. O lugar é simples, mas quem busca o suco do seu Abrahão – o mais tradicional da cidade, desde 1957 – não está pensando no lugar, e sim na bebida, que é possível provar nos mais variados sabores: abacate, abóbora, abacaxi, bacuri, buriti, acerola, abacaxi com hortelã, cupuaçu, açaí, cajá, caju, goiaba, tamarindo, manga, maracujá, melão e laranja. Ufa! Pensei que não fossem esgotar as opções. Tem para todos os gostos. Para acompanhar, da coxinha ao pão de queijo é possível comer, embora não seja a especialidade da casa. Todo salgado é comprado de fornecedores, chegando a setecentos por dia.
Refrigerante é artigo quase descartado. O aviso na parede já chama atenção do cliente: “Prove que é orelhudo preferindo um refrigerante por 1,50 renunciando um suco por apenas 1 real”. Quem vai se arriscar?
Aos 84 anos, seu Abrahão mantém a rotina de ir a lanchonete pela manhã e à tarde. Acompanha de perto do caixa ao atendimento no balcão. Nada passa por ele despercebido. É a alma do lugar. Inspeciona tudo. Vai pessoalmente todas as segundas e quintas-feiras de manhã cedo a Central de Abastecimento do Piauí, antiga Ceasa. Escolhe as frutas e faz questão de que sejam as melhores. “Como pago à vista e todo mundo já me conhece, posso escolher as mais bonitas”, destaca. O segredo de um suco tão saboroso, ele revela: “Além de trabalhar com produto de qualidade, tudo é feito com muito amor”.
Deve ser por isso que lá se vão 55 anos servindo o mesmo suco. “Não sei se sou um homem com pouca ambição. Acho que os meus produtos são de qualidade e tem um preço especial. Deve ser por isso que estou fazendo a mesma coisa há tanto tempo”.
O lugar não fecha nem para o almoço durante a semana, apenas no domingo, reabrindo às 15h e ficando até a noite. São cerca de quinhentos litros de suco por dia. Faça chuva ou faça sol, lá estão seus clientes. Pergunto se ele um dia já gostou de refrigerante. A resposta é imediata. “Não. E não sou contra o refrigerante, só acho que faz mal, é gaseificado”.
A venda de suco começou de uma forma muito curiosa. Ele trabalhava numa garapeira, no Mercado Central. Como não gostava de caldo de cana, resolveu colocar num copo abacate, leite, açúcar e água. “Achei aquilo uma delícia. Hoje o suco de abacate é responsável por boa parte das minhas vendas”.
O bom humor é a sua marca e procura cultivar diariamente. “Não sei o que produz o mau humor. Se a gente está mal servido, serve mal. E eu sempre fui bem servido e procuro servir bem”.
O suco mais tradicional agrada aos mais variados paladares. Muitos dos que visitam a capital provam e levam boas lembranças. Que o diga o jornalista Zuenir Ventura, que o citou em uma crônica: “Nunca tinha tomado cajuína. Confesso que prefiro o suco de bacuri do seu Abraão. Não rima, pode não dar música, mas foi um dos melhores sabores que já provei na vida”. Já o cronista Ignácio Loyola, durante participação no Salipi, em 2008, destacou em texto publicado em sua coluna, no jornal O Estado de São Paulo (O Estadão) a iguaria piauiense e seu anfitrião: “Ir a Teresina significa obrigatoriedade em dois lugares: à casa de sucos de Abrahão e à carne-de-sol do restaurante São João. Pobre, rico e remediado ali se encontram. Sucos de dezenas de frutas, bacuri, buriti, cajá, tamarindo, abacate, abóbora. Sim, abóbora, nem imaginam a delícia”.
Para quem ainda não teve a oportunidade de provar, fica a dica: em dias de calor nada melhor que provar a delícia que já se tornou patrimônio cultural da cidade.
Para conhecer: Rua Rui Barbosa, 1333 (esquina com Rua Manoel Domingues) – bairro Matinha.
Publicada na Revestrés#06, em janeiro/fevereiro de 2012.