Esqueça todo o preconceito que lhe despejaram sobre o fenômeno da gourmetização. Dizem que ela existe pra confundir. Dizem que ela existe para encarecer. Mas, temos de reconhecer que, se tem uma vantagem em viver tempos modernos de hibridização até das receitas, essa vantagem é provar coisas como brigadeiro de churros e pudim de doce de leite.  

Veja bem, o pudim que você conhece, aquele comum, porém não menos gostoso, é de leite. Só leite. Estamos falando aqui de um pós-pudim: o pudim que, ao invés te utilizar como ingrediente apenas o leite condensado comum das receitas, foi lá e misturou também doce de leite – aquele feito empiricamente, cozinhando a lata de leite moça na panela de pressão. 

Foto: Maurício Pokemon

“Minhas receitas não copiam ninguém, eu tô sempre procurando inventar e desenvolver algo novo”, diz Ana Stela Pimentel, uma mulher loira, de fala apressada como quem não tem tempo a perder. “Adoro inventar, testar, meter a cara, perder ingredientes mesmo”, anuncia em tom de determinação. 

Ana é uma cearense de meia idade, que botou a primeira loja de doces em Parnaíba, cinco anos atrás. Na onda dos brigadeiros gourmet (nada de mero chocolate enformados com as mãos e coberto com granulado, isso ficou simples demais), resolveu especializar-se em docinhos para festas, bem-casados e outras ocasiões. Em estilo provençal, e com prateleiras que parecem extraídas dos antigos mercadinhos, surgiu o Armazém do brigadeiro. 

“Comecei a ter muitos clientes de Teresina”, prossegue a cozinheira enquanto recapitula a sua saga. “O plano era abrir outra loja em Fortaleza, mas me pareceu mais conveniente vir para cá”, diz referindo-se ao ponto que funciona hoje no bairro de Fátima, na capital piauiense. 

Ao entrar no ambiente, logo no balcão, uma espécie de painel anuncia: “Aqui tem o melhor pudim do Brasil”. Longe de ser hipérbole publicitária: Ana participou em 2016 do concurso “O melhor pudim do Brasil”, organizado pelo programa Mais Você, da TV Globo. Teve seu pudim de doce de leite testado e aprovado por Ana Maria Braga – desbancando outras 4.600 delícias caramelizadas e vindas de todo o país. 

“Aqui tem o melhor pudim do Brasil”. Longe de ser hipérbole publicitária: Ana participou do concurso “O melhor pudim do Brasil”, organizado pelo programa Mais Você, da TV Globo.

“Eu não queria me inscrever”, confessa a doceira. “Meu marido passou semanas, talvez meses falando nisso”. Até que um dia, mais para desbancar a insistência masculina, ela enviou a receita e fotos do pudim por internet. Quase seis meses depois de enviar a inscrição, ela recebe uma ligação do programa. 

“Eles ligaram dizendo que o meu pudim tinha ficado entre os 100 melhores do país”, comenta Ana. “Era mentira, depois eu soube. Eles já tinham os 12 finalistas escolhidos e eu era um deles”. Alguns dias após a ligação, Ana estava embarcando para o Rio de Janeiro, com tudo bem esquematizado pela produção da Globo. “No aeroporto tinha um carro para cada participante do concurso, parecia Big Brother”. 

Naquele mês Ana Maria Braga experimentou, ela mesma, mais de 200 pudins – o que rendeu até o diagnóstico de diabetes para apresentadora. Os pudins foram separados por categorias, e o da Ana Stela não ficou em primeiro lugar geral – perdendo para o pudim de tapioca de Belo Horizonte – mas foi eleito em unanimidade como o melhor em sua categoria: a categoria dos pudins de doce leite.  

De lá para cá, o Armazém do brigadeiro virou, na verdade, o Armazém do pudim: não passa sem a sobremesa em estoque, atendendo a alta procura. Os amantes do doce podem consumi-lo nas versões individual (porções surpreendentemente cozinhadas no pontinho de plástico), tamanho família e festa – monoporções feitas por encomenda.  

“Um dos segredos é realmente o forno”, diz a doceira sem, no entanto, revelar maiores detalhes. “O meu pudim desforma tranquilamente, e na geladeira tem uma durabilidade incrível”. Ana desenvolveu uma receita de calda caramelizada feita em baldes hermeticamente fechados – o que agiliza a produção e garante um controle do sabor.  

O pudim de doce de leite é algo que une o melhor de duas deliciosas e simples sobremesas: a textura do pudim e a cremosidade do doce de leite.  Para chegar especificamente nesse ponto, Ana tem uma exigência nos ingredientes: o leite condensado tem que ser especificamente leite moça cozido na pressão – não servem similares, nem mesmo o produzido pela própria marca. “Uma vez um representante da Nestlé fez de tudo para me convencer a usar a versão deles de doce de leite, em bisnaga, mas não me convenceu”, diz, enfática. “Fica mais líquido, perde sabor, não sei explicar, mas tem que ser realmente aquele doce cozinhado na própria lata”. O vendedor, que só queria ajudar, levou de volta tudo o que podia existir de novidade no que diz respeito à produção de doces. Mas o melhor pudim – de doce de leite! – do Brasil segue provando que, na modernidade, nem tudo que era sólido desmanchou-se.

(Publicada na Revestrés#35 – março-abril de 2018).