Colado em uma Kombi, o adesivo anuncia: “Sorveteria Amazonas: uma geração de pai pra filho”. Mas, quem conhece as delícias no palito ou copinho ali vendidas certamente concorda que o maior legado familiar não é a miniempresa, mas as receitas. Afinal de contas, não é em qualquer sorveteria nem em qualquer esquina que espigas de milho e abóboras viram picolé.
O endereço certo é Rua Gabriel Ferreira, no bairro Mafuá, Teresina. Ali, há mais de meio século, a sorveteria comandada por Herbert Ferro oferece 27 sabores diferentes de gelado. Mas esqueça napolitano, flocos ou creme com passas. Na sorveteria Amazonas, o sucesso são os picolés de abóbora com côco, bacuri, castanha, murici e o clássico milho verde.
Herbert herdou do pai o ponto e a pequena fábrica de sorvete no coração do mercado. Um dos primeiros moradores do bairro, foi Augusto Ferro quem inventou os sabores, digamos, exóticos, de picolé. Augusto era dono de um grande terreno no cruzamento das Ruas Gabriel Ferreira e Amazonas – daí o nome da sorveteria. Na década de 1930, quando chegou ao local, ele cedeu espaço para que ambulantes comercializassem seus produtos a céu aberto. Foi o início da feira livre no bairro Mafuá, que aliás, vem do francês “ma foire” e quer dizer “minha feira”. O mercado cresceu e ganhou da prefeitura estrutura e nome oficial (Tersandro Paz), embora popularmente muita gente o conheça simplesmente como mercado do Mafuá.
Tão antiga quanto a história do bairro é a receita do picolé de milho – e também a mais trabalhosa, segundo Herbert. O picolé tem cor verde-claro e o sabor lembra canjica de quermesse. Só que congelada. Diferente, mas agradável ao paladar de quem já conhece e também de quem nunca provou a iguaria. “Esse faz sucesso. Aparece gente de todo canto pra comprar. Tenho revendedores no Maranhão, Brasília, Pernambuco e até Rio de Janeiro”, conta Herbert.
Os picolés da família Ferro vendem como pão. Aliás, este alimento milenar também ganhou sua versão no palito: o picolé de pão com leite, também criação do velho Auguto, custa 1,50, mas anda meio em falta. “Quero voltar a fazer, tá difícil conseguir material”, queixa-se Herbert. “Os pães de antigamente eram feitos de trigo mesmo. Tá difícil arrumar pão bom hoje em dia”.
A escolha por bons ingredientes, aliás, é um dos poucos segredos de receita que Herbert pode revelar. “Tem que escolher frutas e produtos de qualidade”, afirma o fabricante. “Se não souber escolher direito o abacate, por exemplo, o sorvete vai sair amargo”. É essa preocupação que faz o sorveteiro sair de casa às 4 da manhã todas as quintas-feiras. O destino: Ceapi (Central de Abastecimento do Piauí). A tarefa? Escolher a dedo as frutas para fabricação dos sorvetes e picolés Amazonas.
O critério está até na escolha da goma utilizada na produção do picolé de tapioca. A farinha diferenciada, em pequenos flocos, tem aparência de isopor e vem do Pará. “Eu compro de fora porque essa aqui tem muito mais qualidade. O sabor do picolé feito com a goma normal nem se compara ao picolé feito com essa”, afirma o produtor mostrando um estoque suficiente para encher um freezer com picolé de tapioca.
O sucesso dos picolés de milho, pão e tapioca foi tão grande que a concorrência começou a copiar. “Copiar eles copiam, mas o sabor nunca é o mesmo”, desafia Herbert, atrás do balcão da sorveteria que é também sua fábrica e residência. Do pai, Herbert herdou não só os negócios, mas a criatividade para inventar novos sabores de gelado. Agora por exemplo, o sorveteiro tem trabalhado na invenção do picolé de batata com côco. E quem não vai querer provar a novidade?
(Publicada na edição #01, janeiro/fevereiro de 2012)