Em 1952, o emigrante Daniel David da Silva retorna da França com uma atrativa proposta de emprego. Iria trabalhar no coração do Porto, mais precisamente na Rua do Bonjardim, no Restaurante A Regaleria. A voltaao país de origem parece ter despertado o lado chef do até então barman, que inspirou-se no sanduíche francês croque monsieur para criar algo novo. Algo um tanto menos croque e um tanto menos monsieur. Duas fatias de pão de forma levemente torradas recheadas com queijo e presunto e cobertas com queijo derretido e molho bechamel ficaram mesmo para lá da Torre Eiffel. Por cá, passou a ser uma fatia de perna de porco assada, duas fatias de queijo, linguiça e salsicha dentro de um pão bijou de cinco quinas. Por cima de tudo vai um molho que de bechamel não tem nem sombra. E o molho, ah… o molho. Tudo o que se sabe até hoje é que leva cerveja, polpa de tomate e pimenta malagueta. O resto é um segredo muito bem guardado que pode até se tentar reproduzir, mas contam-se nos dedos de uma mão as pessoas a quem Daniel David da Silva deixou a receita original.
Do molho, aliás, vem o nome. Ou melhor, pode-se começar a explicar por aí. Para elaborar a misteriosa receita, o autor resgatou da memória a elegância das francesas. Francisco Passos, um dos jovens herdeiros d’A Regaleria, é quem conta a história. Segundo ele, Daniel encantava-se perdidamente com a forma com que as mulheres da época arrumavam-se. “Na altura, as portuguesas não eram nada assim. Para o Sr. Daniel, picantes eram as francesas, tal como o molho forte que inventou”
O certo é que a fama do prato correu a cidade rapidamente e chegou até o outro lado do rio Douro, em Vila Nova de Gaia. Daí em diante não parou mais e hoje existem as mais variadas versões: veganas, vegetarianas, gourmet, com salsicha e outros enchidos diferentes. No entanto, original mesmo, “só há uma”, garante Francisco. Ali, nada mudou com o tempo, nem mesmo os fornecedores. A salsicha, a linguiça e o pão bijou provêm das mesmas fontes desde então.
Não muito longe dali, na rua Passos Manuel, em frente ao Coliseu do Porto, a Melhor Francesinha do Mundo pode ser encontrada desde 2013. Artur Ribeiro, dono da cervejaria Lado B, criou e registrou a marca do prato na sua apresentação mais conhecida atualmente: pão de forma torrado, queijo, presunto, um bom bife, mortadela, salsicha e linguiça. Pode-se ainda adicionar um ovo estrelado por cima e uma porção de batatas fritas. Do mesmo lado da rua está o Café Santiago, que tem sempre uma fila à porta onde ouvem-se pelo menos 5 línguas. Dizem que é lá que está a melhor francesinha. Ou uma das, porque também há a do Brasão Cervejaria, do Capa Negra II, da Cufra, do Capa na Baixa, do Barcarola Café e outros tantos. Tantos outros.
Na tasca mais simples há pelo menos um dia da semana em que ela é a estrela do cardápio. São mil calorias em uma refeição completa que, ora vejam, foi criada para ser lanche. A escolha da melhor desperta sempre paixões e até insultos, é um pouco como o futebol. Não há dúvida, entretanto, sobre o que não pode falhar: o bife deve ser o melhor, o mais macio. E o molho…ah, o molho! Se o cheiro não chegar no nariz antes de chegar ao prato e se a malagueta não repenicar a língua, não adormecer o céu da boca, não serve.
(Matéria publicada na Revestrés#34 – janeiro – fevereiro de 2018).