Aquele não seria um horário – nem um clima – propriamente ideal para beber uma cerveja. Mas, naquela manhã chuvosa de sábado, com ar professoral, Disraeli ensinava que “beber uma cerveja” pode ir muito além da simples ação que o verbo propõe. Apreciar, saborear e harmonizar são três palavras que podem expandir pra valer o seu jeito de pedir uma gelada.

(Foto: Mauricio Pokemon)

                                  

 Aliás, muito cuidado com a gelada, geladíssima: há uma temperatura ideal para se consumir a bebida fermentada. Disraeli explica: “Assim como quando comemos algo muito quente e perdemos o sabor, quando tomamos cerveja com temperatura negativa, ela quase congela nossas papilas gustativas”, adverte. “Então, como o diferencial de uma cerveja artesanal é ser saborosa, o ideal é potencializar isso”.

 Outro fato curioso: a mesma cerveja, tirada de uma mesma garrafa num momento preciso pode ter sabores diferentes de acordo com o copo em que é servida. Além da temperatura, o tipo do recipiente traz alterações no sabor, facilmente percebidas até mesmo por um bebedor leigo: num copo de base larga, uma cerveja de trigo com 4,5% de teor alcoólico, servida a quatro graus, pode parecer perfeitamente gelada e o sabor mais forte – enquando no modelo de copo fino e comprido, a cerveja está mais quente e o sabor perde a concentração amarga. “O copo com base para segurar faz com que a cerveja não esquente rapidamente”, explica novamente Disraeli.

 Responsável pela Cerveja Piau, Disraeli Reis divide o cenário de produção artesanal de cerveja em Teresina com Pedro Henrique Campos, fabricante da Capivara Beer. Os dois são piauienses, apaixonados por cerveja e decidiram abandonar o mercado tradicional para investir numa produção caseira. Tornaram-se mestres cervejeiros.

 Os componentes básicos da cerveja artesanal são água, malte, lúpulo – que dá o amargor – e levedura. A partir daí, Disraeli e Pedro vão inventando. Os elementos que eles acrescentam à receita base fazem a diferença com o toque regional. A rapadura, por exemplo, um doce feito a partir da cana-de-açúcar, é uma das matérias-primas utilizadas pelos dois especialistas.

 Disraeli também já fez cerveja com frutos como cajá, babaçu e buriti. “Estou pensando em outro projeto com tamarindo”, comenta. Já Pedro usou abacaxi, acerola, canela e hortelã em algumas de suas experiências. “Produzi mais de 10 tipos de cervejas e tem ingredientes que ainda estão na lista de espera”, destaca.

 Segundo o produtor da Capivara Beer, as cervejas artesanais possuem ingredientes que conferem maior experiência sensorial com sabor, aroma e textura. “Já a cerveja em larga escala, ou mainstream, usa matéria-prima mais barata, que confere ao produto final pouco sabor e aroma”, diferencia Pedro.

 Disraeli acrescenta que as cervejas artesanais têm menos toxinas e menos substâncias que provocam a ressaca. “Eu já produzi cerveja com 10% de álcool, mas você não sente de modo nenhum o cheiro, não nota que tem tanto teor alcoólico. É como beber um mau uísque e um 12 anos”.

 O interesse dos dois piauienses pela fabricação da bebida artesanal surgiu de pontos diferentes. Pedro sempre quis experimentar cervejas não-tradicionais e começou a pesquisar sobre o assunto. Mas foi uma reportagem na TV do tipo “Do It Yourself” (do inglês, faça você mesmo), ensinando o passo a passo de como fabricar sua própria cerveja, que o estimulou. Um mês depois ele já estava com o equipamento próprio para brassar (cozinhar os grãos).

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 Disraeli também tinha curiosidade e foi conhecer fábricas dentro e fora do Brasil. “Conheci a Heineken na Holanda, a Guinness na Irlanda e a Chinois em Toronto. Trabalhei em uma cervejaria em Joinville e em outra em Poços de Caldas, Minas Gerais”, conta ele, que formou-se no curso técnico de mestre cervejeiro oferecido pela Ambev, em São Paulo.

 Atualmente os dois produzem em pequena escala, mas já abastecem o mercado local. A Capivara Beer é encontrada no bar QG do Malte, na Zona Norte de Teresina. A Piau está disponível para os apreciadores no restaurante Moinho de Pedra ou no Hamburguesia, ambos na zona Leste. Também é possível comprar diretamente dos produtores.

 O preço da bebida de ambas as marcas pode chegar a 20 reais. Pode assustar o consumidor acostumado a pagar um terço do valor nos rótulos tradicionais. A diferença, entretanto, está no preparo, na ausência de conservantes e na escolha por ingredientes exóticos ou sofisticados em detrimento do milho e do arroz. Os modos de produção consequentemente refletem no sabor e no fato de serem cervejas pensadas para um consumo lento – mais importante que o destino, é a caminhada, apreciando sabores e aromas. Quem sabe trocando a velha ressaca por momentos de prazer.