Foto: Maurício Pokemon

Foto: Maurício Pokemon

Matilde está apressada no telefone, atropela as vogais e pouco faz pausa entre as frases: “Dobra no trailer Angical lanches casa de muro amarelo você vai conseguir ver ainda da avenida”. Não são coordenadas fáceis, é melhor ir com quem já foi. Duas galinhas de cerâmica, de olhos abotoados, vigiam a porta em cima do muro, indicando que é ali o restaurante.

À sombra convidativa de uma mangueira enorme ficam dezenas de mesas – uma delas, aquelas típica de piquenique em família. O lugar, no bairro Angelim, zona Sul de Teresina, tem ainda uma piscina grande e uma parede repleta de quadros com retratos em moldura verde.

Naquele local, o casal Matilde e Ximenes recebem, diariamente, cerca de 80 pessoas para almoçar. O prato principal? Galinha caipira ao molho pardo, especialidade da Matilde. “Temos também algumas entradinhas, carne de sol, linguiça, peixe, mas o forte mesmo é a galinha”, diz a cozinheira.

Tudo começou há 17 anos, no sítio do casal. Eles reuniam os amigos para passar o fim de semana e Matilde sempre ia a cozinha. Os velhos amigos continuam a frequentar, mas é também verdade que novos amigos foram pegos pela boca. “As pessoas foram comentando, comentando, uma dizendo pra outra, e de repente, começou a encher”, diz Matilde, que hoje só atende encomendas feitas por telefone. “A gente nunca fez uma propaganda, não daríamos conta”.

“No fim da tarde eu tomo um banho, troco de roupa e vou passear em bares e restaurantes. Adoro sair para comer, provar pratos, mas sempre acho o meu melhor” – Matilde.

No dia em que nos receberam, o casal acabara de voltar de uma viagem a Buenos Aires. Mesmo encantada com a terra do tango, seu comentário é crítico sobre o que domina. “A cerveja argentina é ruim e a comida é pouca, não tem arroz, gente!”, diz, sem parar de andar. Ela continua apressada, de short jeans e touca cirúrgica, mal para na mesa. Cumprimenta e recebe a todos, checa os preparos na cozinha, atende o telefone, grita por Ximenes. “Ela é sempre assim?”, pergunto. “Eu costumo chamá-la de  D8, aquele trator que passa levando tudo”, brinca o marido.

Três filhos dela ajudam no serviço: Thiago, Thaisa e Cleude. Ximenes é funcionário público, está por ali mais aos finais de semana, quando o movimento eleva para 100 o número de pedidos – na cozinha, são quatro fogões e mais de cem panelas de pressão, todos trabalhando.

“Eu era costureira, vendia confecção, fazia cesta de café da manhã”, diz a cozinheira, num pequeno instante de pausa. “Mas sempre gostei de cozinhar. Com 13 anos, eu já levava almoço pros meus pais na roça, com feijão que eu mesma colhia”, conta enquanto prepara um drink com cerveja, limão e gelo.

O prato da Matilde, como qualquer caipira que se preze, tem sua distinção ainda na escolha da galinha. “Eu tenho que olhar, avaliar, se tá gordinha, grande, se é velha”, explica. “São aquelas galinhas criadas soltas no quintal, comendo milho e folhinha, isso faz toda a diferença”. Além disso, é Matilde quem abate, despena, corta e tempera – do campo ao prato, todo o processo passa por ela.

O tempero é talvez a alma do sucesso. Matilde vai até a cozinha e nos traz uma garrafa pet com o seu mistério – é ela quem escolhe, no mercado, o alho roxo, a cebola, o tomate, a pimentinha, o coentro e outras especiarias que vão virar aquele molho vermelho engarrafado. Em meia hora, diz, faz 20 litros do tempero. O molho pardo, que é o mesmo da galinha à cabidela, é feito com farinha molhada com o sangue do animal.

O prato é servido com porção farta de arroz branco e o famoso pirão nordestino – este é preparado no molho da própria galinha. Na mesma proporção que gosta de cozinhar, Matilde adora sair para comer. “Só funcionamos de manhã. No fim da tarde, eu tomo um banho, troco de roupa e vou passear em bares e restaurantes”, diz animada. É a hora de virar cliente. “Adoro sair para comer, provar pratos, mas sempre acho o meu melhor”.

Matilde é extremamente simpática e comunicativa – cativa os amigos pelo paladar e o papo. A grande procura pelo seu restaurante-casa tem a ver, talvez, com a simplicidade e o tratamento do casal – até quem acaba de chegar se sente íntimo e à vontade. “Matilde já está ali no escritório”, diz Ximenes referindo-se a cozinha. “Ela não para um minuto, e o instrumento de trabalho é a panela”, orgulha-se: “Não tem galinha igual no Brasil”.

Onde fica:
Rua A, 1087 – bairro Angelim – Teresina/PI
Para agendar: 3219-4923 / 3227-0397 / 9804-0685 / 9982-9229

O que provar:
Galinha caipira ao molho pardo / R$ 84,00 (Serve 4 pessoas)

(Matéria publicada na Revestrés#28 – dezembro de 2016 / janeiro de 2017)