Segunda – feira, 22h, centro de Teresina. Na rua Lizandro Nogueira, uma porta discreta dá entrada para um bar. Na plateia, apenas um casal. No palco, uma figura de roupa brilhante e comprida, lenço cigano, que conduz microfone e violão. Desilusões amorosas e paródias se revezam nos acordes. Tem como acompanhantes um incenso sobre o tapete que decora o palco, pilhas de cancioneiros em pastas pretas e um baterista, a quem se refere carinhosamente como “Chico”. Ao fim das músicas, é Benício Bem quem cumprimenta os ouvidos atentos com um sonoro “Axé!”.
Apesar do pouco público desta noite, não são raras às vezes em que o artista canta em bares lotados e locais de maior plateia. Performático, frequentemente é convidado para se apresentar em festas particulares. Seu bordão característico, “Inhaí!”, convida para o vasto repertório. Segundo ele, são mais de 4 mil músicas, 25 delas autorais, 17 paródias e a grande maioria covers de famosos intérpretes.
“Eu defendo a boa música. Ela é que determina a frequência com que as pessoas pensam”, apoia o artista. Toca de tudo, mas não gosta de ser chamado de eclético. “É de muita responsabilidade. O trabalho que eu apresento está mais para versátil”, diz ele.
Não é à toa que Maria Bethânia é uma de suas preferidas. Costumeiramente comparado a ela, a admiração tem justificativa. “Eu sou assumidamente fã de Bethânia, foi sua voz que me levou para o mundo da música”, confessa.
Natural de Piripiri, aos sete anos de idade o então futuro cantor estava presente em um comício político da região quando teve a oportunidade de ouvir uma gravação da intérprete baiana pela primeira vez. “Sonho meu, sonho meu, vá buscar quem mora longe”, imita. “Aquilo me tocou e, naquele momento, eu disse para meu pai que quando eu crescesse queria ser cantor”.
Diz não saber se definir. Mas ao contrário do que declara, o artista consegue se resumir em três palavras: “Sou alma, coração e vida”. Ele se autointitula mistura de Maria Bethânia, Caetano Veloso e Luiz Caldas. “São os três artistas que mais me influenciaram. Comecei a usar batom porque eu vi um LP com o Caetano Veloso de batom”, diz Benício, que mudou o visual e deixou o cabelo crescer quando iniciou a vida musical.
De uma família com 10 irmãos, nenhum deles artista, Benício Bem começou a cantar aos 19 anos, no ano de 1990, em Piripiri. “Eu participava de um conjunto que tocava vários estilos, éramos os Minifrutos. Foi o grupo que me deu a oportunidade de começar”.
O rádio à pilha era seu refúgio e o cantarolar da mãe durante as tarefas domésticas, inspiração. Sua mãe soltava a voz e Benício era todo ouvidos. “Eu sempre observava que ela era afinada”, relembra. Alfabetizado lendo os cordéis que o pai, trabalhador da roça, recitava, Benício Bem perdeu um dos irmãos com quem fazia duetos descompromissados. Dele, herdou o primeiro violão, que usou para fazer os principais shows na terra natal.
Com a benção dos pais, foi embora de Piripiri rumo a Teresina, em 2000, por incentivo do conterrâneo e dramaturgo João Carlos. “Tenho uma relação muito próxima do meu lugar, da minha raiz. Isso me faz bem e me fortalece. Ser feliz não é só se dar bem na vida, financeiramente”.
No entanto, o reconhecimento que considera necessário ainda está por alcançar. “Todo artista tem uma meta de vida. Não é sonho, porque se sonha quando se dorme. Minha meta é registrar minha composição. Estou lutando para gravar meu DVD para que as pessoas que admiram meu trabalho possam revisitá-lo porque é dessa forma que se imortaliza a música”. Mesmo sem a parceria de produtoras, gravou canções de forma independente. “Eu continuo lutando porque eu acho que pior do que não conseguir é desistir de tentar, não é?”.
E é na fé que se apega. De formação kardecista, mas hoje praticante da Umbanda, Benício se diz espírita – umbandista. Nos shows, faz referências às entidades, mas não deixa o humor de lado. Conceitua sua apresentação como “Chá de Música” – uma mistura de ritmos, crenças e uma mão cheia de humor. Das letras humorísticas que criou, Benício canta: “bicha fulera-rá-rá-rá”, parodiando a música “Meia Lua Inteira”, de Carlinhos Brown.
Até Roberto Carlos ganhou nova versão: “A bicha que pensa em você toda hora/que nunca deixou você bêbado do lado de fora/que se balança na rede, esperando você/essa bicha sou eu” – paródia do tema romântico da novela global Salve Jorge.
“Eu sempre escolhi a homossexualidade como tema das paródias porque eu experiencio isso. Segundo, porque sou militante LBGT. Eu acho que uma das maneiras de aproximar as pessoas de um tema difícil e delicado é através do humor. Eu entro com as paródias pra dizer que isso não é ridículo, é engraçado. As pessoas riem e vão assimilar desarmadas”, justifica.
Resolvido quanto à identidade de gênero, Benício garante que não tem importância ser chamado de “ele” ou “ela”. “A questão do gênero foi imposta pela civilização. Eu transcendo isso. São apenas arquétipos”, desafia.
Apesar de solteiro, diz que já amou muito e que não dispensa viver uma grande paixão. “Não existe amor, existe karma. Mas eu adoro me apaixonar. Paixão é pra quem pode, é pra quem tem estrutura emocional, é pra quem sabe se doar. Não me nego a viver uma grande paixão”. E aconselha: “O que importa na vida é não deixar lesão afetiva em ninguém, não iludir nem abusar de ninguém”.
(Matéria publicado na Revestrés#14 – maio/junho 2014)