Um dos meus programas preferidos nos finais de semana, bem como nos feriados, é assistir a bons filmes. Geralmente vejo uns dois, mesclando estrangeiros e nacionais. Indo aos cinemas ou pegando nas locadoras, adoto sempre o critério da qualidade. Pouco importa, no meu caso, o tão valorizado “made in”, mas que a película seja capaz de fundir poeticamente enredo, fotografia e elenco. Aspectos esses que, contrariando o senso comum, independem de grandes somas em dinheiro e dos chamados efeitos especiais. Essa lição trago dos filmes maravilhosos de Charles Chaplin, produzidos ainda em preto e branco e sem áudio. Daí não compreender a implicância das pessoas em relação ao cinema brasileiro, quase sempre taxado de pobre e rotulado de ruim. Muitas delas, inclusive, emitem tal opinião sem ter sequer acompanhado algumas de nossas últimas produções: “O palhaço”, “O cheiro do ralo”, “Faroeste caboclo”, “Estômago”, “A busca”, “O signo da cidade”, “Batismo de sangue”, “Contra todos”, “Lavoura arcaica”, “Não por acaso” e “Trash”.
Aproveito o ensejo para destacar mais três, todos de excelente qualidade também. Comecemos por “Entre nós”, um suspense dirigido por Paulo Morelli (e seu filho, Pedro Morelli) centrado na história de alguns jovens que voltam a se encontrar, na mesma casa de campo, a fim de lerem as cartas enterradas há dez anos. Além da crueldade do tempo, eles agora têm que conviver com a morte de um dos membros da trupe e, mais doloroso ainda, encararem segredos e verdades ditos numa época marcada pela ingenuidade de sentimentos. A trama gira em torno de temas importantes dessa faixa etária: amor, sexo, traição, amizade e fracasso. Tudo vivenciado de forma intensa e franca, sem medo de ferir suscetibilidades. Quem sabe assim, mesmo tendo que suportar o mundo nos ombros, a galera aprenda que sonhos podem virar tragédias pessoais. Lançado em 2014, o filme ganhou vários prêmios, tanto dentro quanto fora do Brasil. Merecem destaque a fotografia, a trilha sonora e o elenco do filme, especialmente Caio Blat (Felipe) e Martha Nowill (Drica).
O segundo é “O lobo atrás da porta”, uma fábula de horror centrada nos absurdos de um triângulo amoroso, que tem início com o desaparecimento de uma criança. Quando os pais vão à delegacia dar queixa, a verdade não custa a aparecer: crime passional. A desbocada Rita (Leandra Leal) havia sequestrado a criança para chantagear o impulsivo Bernardo (Milhem Cortaz), casado com Sylvia, mulher serena e de gestos tranquilos. Tomados em separado, os depoimentos do trio registram uma teia de mentiras, amor, vingança e ciúmes. A partir das versões e álibis apresentados, flashbacks ilustram pontos de vista distintos, mostrando versões contraditórias e a fragilidade de cada um deles. Bom é ver a metamorfose dos três ao longo da história, de personagens inofensivas a figuras diabólicas, irreconhecíveis ao revelarem do que são capazes para alcançar seus objetivos. O filme recebeu prêmios importantíssimos nos festivais de Toronto (Seleção Oficial), San Sebastian (Melhor Filme), Havana (Melhor Opera Prima) e Rio (Melhor Filme e Melhor Atriz).
Fecho a lista com “Feliz Natal”, filme dirigido por Selton Mello abordando o drama da solidão e dos desencontros pessoais. As feridas estouram quando Caio (Leonardo Medeiros) resolve passar o Natal com a família, depois de anos ausente e sem dar notícias. A recepção não é das melhores. Além do mal-estar causado, ele é recebido friamente por todos, exceto por Mércia (Darlene Glória), a mãe que sempre o amou e metida com bebidas e psicotrópicos. Do pai (Lúcio Mauro), que vive atualmente com mulher de caráter duvidoso, não recebe um cumprimento sequer. Como não bastasse, seu irmão Theo (Paulo Guarnieri) sofre com o casamento em crise, apesar de ter uma amante. No fundo, a presença de Caio altera não somente a vida dos outros, mas a sua própria na eterna busca de identidade. Filme denso e perturbador, daqueles que nos levam a refletir sobre um monte de coisas, sobretudo, a respeito dos paradoxos da vida.