Dizendo, as pessoas nem acreditam: Teresina está fria ultimamente. Não é gozação, mas a pura verdade. Distante dos 40 graus costumeiros, temos agora somente uns 25. Tudo por conta das chuvas quase diárias. Não uma chuvinha qualquer, mas toró dos bons, com direito a relâmpagos e trovoadas de meter medo. Daí o outrora nome de Chapada do Corisco dado à nossa capital. Chuvaceiro dos grandes, como diria Pero Vaz de Caminha, resultando um friozinho gostoso pra danar, convite irrecusável a ficarmos em casa. De preferência, enrolados numa boa coberta e deitados na cama ou, melhor ainda, em rede de Pedro II. Tendo a amada juntinho, pernas e braços entrelaçados, aí não levantamos mesmo, nem sob intimação da justiça. Aceitamos no máximo, dando uma pausa no sono, e olhe lá, um café com leite pra esquentar o esqueleto. Sendo chocolate, o nocaute é fatal, difícil recuperar tão cedo.

Esse tempo acorda em mim lembranças da adolescência, lá na Clodoaldo Freitas, rua próxima ao estádio Lindolfo Monteiro, quando aproveitava pra banhar de chuva, nas goteiras de casa ou a céu aberto, pouco ligando aos perigos dessas peraltices em pleno inverno. Inesquecível eram as peladas, debaixo de tromba d’água, com os amigos da redondeza, a bola de plástico quase invisível e todos roxos de frio, os dentes trincando sem parar. Deitar numa prancha (isopor/madeira), ou usando apenas o corpo, e ser levado pela correnteza, livre como peixe, não tinha brincadeira melhor. Penoso era voltar para casa depois, encarar a palmatória de Seu Tomé e uma crise de asma de tirar o fôlego. Prometer que não faria mais aquilo até que prometia – quem gosta de sofrer? -, mas bastava a chuva despontar no horizonte que eu escapulia novamente.

Diferentemente de outros brasileiros, saudamos a chuva, no inverno ou a qualquer momento, com muita festança, dizendo que está “bonito pra chover”, expressão típica dos piauienses. Agradecida, a natureza reage de imediato, logo no dia seguinte, árvores despertando verdinhas em várias tonalidades. A secura no campo dá lugar à vida brotando feliz da terra, ao cheiro delicioso do chão e à sinfonia marcante dos pássaros. Até o estado de espírito das pessoas, inclusive nestes tempos sombrios, melhora significativamente, tornando-as mais otimistas. Sem falar de alegres também, sorriso escancarado no rosto. Sinônimo de boa lavoura e fartura na mesa, segundo os camponeses. Evoca ainda poemeto de Gabriel Chalita, escritor paulista: “Ora a chuva poetiza a vida, ora o sol,/ às vezes brincam de chegar juntos. Às vezes/ trazem o arco-íris para completar o espetáculo./ e vão embora. E ficam em nós”.

Convite irrecusável, este dos pés d’água, para ler livros e ver filmes bons, daqueles que despertam na gente o prazer da existência, fora uma tolerância maior com os absurdos do mundo. Da literatura local, o heroísmo comovedor de Mandu Ladino, tão bem retratado por Anfrísio  Neto Lobão, guerreiro indígena que enfrentou os desmandos dos fazendeiros na Capitania do Piauí durante nossa colonização, começo do século XVIII. Das letras nacionais, nada menos que Novos contos eróticos, antologia de textos “pornográficos” de Dalton Trevisan, autor curitibano que desnuda, sem papas na língua, as taras do homem brasileiro, socando o provincianismo nacional com um jab de direita. Entre os filmes, destaco a nova versão de Madame Bovary (2015), da diretora Sophie Barthes, inspirado no romance homônimo de Gustave Flaubert, história centrada nos desenredos amorosos e final trágico de Emma Bovary, traída pelos próprios sentimentos.