Não sei explicar, mas algo me dizia que havia alguém olhando para mim. Como o jogo de damas estava por um triz, no qual uma distração seria fatal, acabei não dando a mínima ao tal pressentimento. Fui tomar uma atitude mesmo quando a sensação voltou a se repetir, dessa vez de forma insistente e perturbadora. Para minha grata surpresa, vi uma mulher lindíssima de olhos ternos, sorriso enigmático. Abrigo tão sedutor era tudo que esperava a fim de acalmar meu desamparo no Rio de Janeiro, onde cursava Biologia na época. Mas era preciso que a dona, caso tivesse interesse, abrisse não só a porta, como me deixasse entrar. O danado é saber o que se passa – e aí nem Machado de Assis conseguiu desvendar – na cabeça do sexo feminino. De qualquer maneira, eu encontrara ali, naquelas horinhas de distração, a verdadeira dimensão da palavra felicidade.

Apesar dos esforços feitos, a conquista amorosa resultou infrutífera, exceto pelo fato de Ana acordar em mim, segundo bem definiu Camões, “Um não sei quê, que nasce não sei onde, / Vem não sei como, e dói não sei por quê”. Longe de magoado, fiquei-lhe eternamente agradecido, uma vez que voltava a sentir o coração descompassado. Independente de ser correspondido ou não, o maravilhoso mesmo é provar do gostinho do amor, curtindo o próprio sentimento em si. Daí considerar Ana uma pessoa muito especial, desmisturada das outras, pois capaz de acender o fogo da paixão em mim. Outras até pelejaram, mas andaram foi longe. Encontrá-la nos corredores da universidade, ou pressentir a sua proximidade, já era motivo de alegria, um começo de sossego na alma.

Em companhia de Luís Otávio, amigo carioca e de desventura amorosa, virei “poeta” e fui publicar meus escritos, mal sabendo que “fossa” nunca é uma boa conselheira nesses momentos. Ele então sugeriu, como amante também rejeitado, que celebrássemos nossas musas inspiradoras em verso. Impresso de forma artesanal em mimeógrafo, reunindo uns tantos poemas, lançamos dois livretos bem chinfrins, com tiragem de 500 exemplares cada. O dinheiro arrecadado com a venda, subtraídas as despesas, era torrado em mesa de bar, ouvindo música dor de cotovelo, e lembrando Ana. Ninguém como Vinícius de Moraes para traduzir esses momentos de completo abandono: “Eu sei que vou sofrer / a eterna desventura de viver / À espera de viver ao lado teu / Por toda a minha vida”.

Mas qual a razão de falar sobre assunto tão palpitante para alguns, e piegas para outros? A confissão recente de uma jovem, feita a mim, em querer abrir mão do amor devido ao medo de sofrer. Coitada, como se isto fosse possível. Quem lhe disse, por acaso, que abdicando desse nobre sentimento nos livraremos da temível dor?  Não esquecer que “de sofrer e amar a gente não se desafaz”, já profetizara Guimarães Rosa. Portanto, entre o doloroso existir sem ou com amor, é preferível escolher a última opção. Inaceitável é passar pela vida em brancas nuvens, não sendo capaz de sentir o coração disparar por ninguém, tampouco despertar paixão nos outros. Nesse caso, tadinho dessa pobre criatura, a quem são recomendáveis umas boas pitadas de tempero em existência tão insossa e sem nenhum sentido.