Com minha mãe, dona Raimunda, de 94 anos

A manhã daquele sábado surgiu bonita, radiante, no bairro Gurupi, onde resido atualmente. Até o canto da fogo-pagô, que costuma aparecer, soou  mais afetuoso. Acordei feliz e disposto a encarar meus 60 anos, a tão propalada velhice, chamada também, eufemisticamente, de terceira idade. Foi em 15 de dezembro passado, data difícil de esquecer, ainda mais a partir de agora. Fase marcada por outros olhares: maduro, tolerante, solidário e cético. Na mesa do café, sensação boa em receber beijos da esposa (Lucíola) e filha (Andreia), bem como os parabéns da empregada, dona Nilza. À noite o coração quase tem um piripaque, no Cantão, ao receber felicitações de familiares e amigos queridos, em especial de dona Raimunda (mãe, de 94 anos), da Carolina (a outra filha) e dos netinhos (Robert Neto e Isabela). Ao som de artistas extraordinários – Gonzaga Lu, Soraya Castelo Branco, Ricardo Totte (Batuque Elétrico) e Teófilo Lima, a festa varou a madrugada celebrando a vida e o porvir.

Quem diria o garoto prematuro de sete meses, nascido na Benjamim Constant, em Teresina de 1958, ter sobrevivido e entrado no clube dos sessentões? Meus pais e irmãos mais velhos não acreditavam que eu fosse “vingar”, como se dizia na época. Tanto por esse motivo quanto, sobretudo, pelo fato de viver enfermo, portador de mil doenças, desde o sarampo até a asma. Daí todos os cuidados e mimos, de pais e irmãos, voltados para o coitadinho da família. Que não podia pegar sereno, um mormaço qualquer, imagine banhar de chuva, paixão realizada às escondidas. Salvo, fiz os estudos na capital, grande parte, em colégios da rede pública: João Costa, Engenheiro Sampaio, João Clímaco D’Almeida e Benjamim Batista. Somente 2º e 3º anos, do antigo científico, concluí em escolas particulares – Andreas Versalius (The) e Miguel Couto Bahiense (RJ), respectivamente. Biologia era pra ter sido meu primeiro curso superior, infelizmente abandonado na UniRio, puxado de volta à terra natal pela saudade.

Depois de uma passagem rápida e frustrante no teatro piauiense, por pura falta de talento, resolvi fazer Letras na Ufpi, nossa Federal, como a apelidávamos carinhosamente na década de 1980. Lá aprofundei o gosto pela leitura e o prazer de ensinar, duas atividades intimamente interligadas. Sem falar também do aprendizado político, através do movimento estudantil, lutas históricas travadas em defesa da democracia e contra a opressão militar, de triste memória. Foi no magistério, em contato com jovens do 2º grau, que encontrei minha praia, de onde nunca mais arredei o pé. Ao todo, são quase 40 anos de sala de aula, no início ensinando português, hoje ministrando literatura, tendo lecionado em várias escolas de Teresina. Dessas experiências, uma desponta muito especial: o Pré-Enem Seduc, outrora Cursinhos Populares, projeto de inclusão universitária do governo estadual envolvendo alunos de escolas públicas, que idealizei e coordeno no momento.

Graças ao livro, outra grande paixão, não desandei no espetáculo da vida, tampouco pedi arrego nos braços da indesejada das gentes, como diria Bandeira. Tratei de lançar livros, sete ao todo, entre contos e crônicas, de forma independente e vendidos corpo a corpo, em contato direto com o leitor. Linguagem dos sentidos, lançado em 1991, foi o primeiro, e Cu é lindo & outras histórias, de 2016, o último, ambos com tiragem de mil exemplares. Depois organizei em 2003, junto com os professores Cineas/Romero/Nilson, o Salão do Livro do Piauí (Salipi), evento cultural dos mais importantes do estado. Achando pouco, convidei o publicitário André Gonçalves para lançarmos, comecinho de 2012, a revista que daria uma guinada em nosso jornalismo cultural: Revestrés. Não satisfeito ainda, apresento mensalmente, numa dobradinha com a professora Hildalene Pinheiro, um sarau poético na Livraria Anchieta, batizado de Café Literário. E, por último, assino há 12 anos esta coluna no jornal Meio Norte. Cansado? Nem um pouco, acredite, pois trago gravado no corpo e na alma uma tirada genial do saudoso Belchior: “Amar e mudar as coisas / me interessa mais”.