Já ouvi gente falar que pessoas acima dos 65 anos dificilmente conseguem ser alfabetizadas nessa idade. Dentre outros motivos, alegam desinteresse e mão dura, incapaz de segurar corretamente um lápis. Fico muito triste ao escutar tal absurdo, ainda mais quando a tese é defendida por educadores, justamente na faixa etária em que o Brasil apresenta um desempenho vergonhoso, sobretudo, em nossa região. Tomara que um dia esses intelectuais, de preferência o mais breve possível, assistam com olhar de criança ao belo filme “Uma Lição de Vida”, comovedora história de Kimani Maruge (encarnado pelo ótimo Oliver Litondo) que, aos 84 anos, resolve frequentar uma escola primária a fim de aprender a ler e escrever. Só não imaginava que teria de enfrentar tantas dificuldades, desde a pilhéria de sua geração (eufemisticamente chamada hoje de terceira idade) até o preconceito dos pais de seus amiguinhos (que não aceitavam um velho estudar junto com crianças).
Mas vamos agora, de forma sucinta, apresentar a história que vem tocando milhões de corações pelo mundo inteiro. Lançado na Europa em 2009, o filme do diretor britânico Justin Chadwick é baseado em fatos reais – a saga de um queniano octogenário que ao receber carta da Presidência de seu país toma a sábia decisão de decifrá-la pessoalmente, em vez de pedir ajuda a alguém. Ele que havia empunhado arma para livrar o Quênia do colonialismo britânico, inclusive com vários anos de prisão e assassinato da esposa e filhos, estava agora diante do maior de todos os desafios enfrentados: educar-se para superar uma existência marcada pela ignorância, servindo de exemplo ao seu povo secularmente excluído do aprendizado. Seu calvário tem início em escolher uma escola primária e não uma para a alfabetização de adultos, alegando ser essa última distante de onde morava e os estudantes indiferentes ao estudo.
As sucessivas recusas em matriculá-lo na escola não abalavam sua determinação em conseguir uma vaga como aluno. Chovesse ou fizesse sol, todo santo dia Maruge, percorrendo alguns quilômetros a pé, estava no portão do colégio reivindicando o sagrado direito de aprender. Indagado sobre a razão de tal insistência, ele tinha a resposta na ponta da língua: “Sem educação não somos nada, uns inúteis apenas, cegos perdidos pela estrada. O verdadeiro poder está na caneta”. Comovida com tamanha sabedoria, a sensível professora Jane Obinchu (interpretada pela talentosa atriz Naomie Harris) faz sua matrícula e, juntos, passam a enfrentar a violenta oposição dos pais e a intransigência do diretor. Com muito esforço, Maruge consegue comprar a farda, superar os problemas de visão e surdez (no cativeiro, ele teve um ouvido perfurado por lápis) e despontar como um excelente aluno.
Não tardou muito para o mundo tomar conhecimento de sua extraordinária façanha, com Maruge sendo incluído no Guinness, livro dos recordes, e convidado a falar na ONU sobre experiência educacional tão inusitada. Levada ao cinema, essa inspiradora história de superação foi selecionada nos prestigiados festivais de Toronto (Canadá) e Telluride (Estados Unidos). Infelizmente, o filme só chegou ao Brasil em 2014, emocionando a todos que o viram até hoje. E quanto à missiva que ele recebeu, do que tratava afinal? Mesmo já alfabetizado, Maruge pede à professora que leia a carta da Presidência, quando é informado que, devido a sua heroica luta pela libertação do Quênia, receberá uma indenização do governo federal. Duas grandes lições ficam ao término do filme: nunca é tarde para se aprender e a força transformadora da educação.