O coração é uma parte do corpo que requer bastante cuidado, sob o risco de ele parar e, de repente, recebermos a visita incômoda da “indesejada das gentes”, como diria Manuel Bandeira. E o pior, sem termos realizado um montão de sonhos e concluído algumas travessias essenciais. Daí a recomendação médica para evitarmos fortes emoções, como se tivéssemos controle total das circunstâncias que envolvem o grande espetáculo da vida. Ainda mais no tocante a atividades culturais que mexem, independente de nossa vontade, com sentimentos profundos da alma.  Foi o que aconteceu comigo nos últimos dias, em Teresina, quando me vi tomado de grandes sensações, daquelas que tornam a existência algo prazeroso – a ponto de achar que renascemos melhor ao ser tocado pela linguagem envolvente da poesia.

Foto: Irakerly Filho.

Foto: Irakerly Filho.

Assistir Bibi Ferreira em show no 4 de Setembro, durante as comemorações dos 122 anos do nosso teatro, foi simplesmente inesquecível, de fazer o coração da gente pular de tanta alegria, pouco importando o perigo de um ataque fulminante. Aos 94 anos, ela está mais brilhante do que nunca, cantando com paixão e leveza, talvez retribuindo o carinho que tem recebido do público brasileiro ao longo desses 75 anos de carreira, quer como intérprete ou atriz. Por quase duas horas, Bibi soltou a belíssima voz pelos clássicos de Frank Sinatra, resgatando as várias fases do repertório musical do talentoso artista norte-americano, incluindo as parcerias com Tom Jobim, mestre que o levou a gostar dos acordes refinados da Bossa Nova. E o mais interessante, a trajetória de Sinatra tecida com picardia e humor por Nílson Raman e ela. Para completar, ainda encarna no final do espetáculo, levando a plateia ao delírio, a magistral Edith Piaf em “Ne me quitte pas”.

Sônia Braga em Aquarius

Sônia Braga em Aquarius

Outro momento de pura emoção foi ver Sônia Braga, mais sublime que nunca, atuando em Aquarius, filme de Kleber Mendonça Filho no qual interpreta magistralmente a jornalista aposentada e escritora Clara, uma vítima rebelde da especulação imobiliária de Recife. Viúva e morando sozinha, embora tenha três filhos, ela decide enfrentar os que insistem em “algarismar os amanhãs”, pouco ligando para as relações de afetividade que inquilinos mantêm uns com os outros, com o prédio ondem moram e a cidade em que vivem.  Com trilha sonora e fotografia impecáveis, além de roteiro convincente, Sônia Braga encarna com desenvoltura a personagem criada especialmente para ela, emergindo do limbo com poeticidade e ocupando seu lugar de direito como uma das eternas divas do cinema nacional. Filme para assistir e guardar num cantinho especial da memória, independente das polêmicas surgidas desde sua exibição no Festival de Cannes.

Marcelino Freire

Marcelino Freire

E nesta segunda à noite, quase dando um treco, mediei o bate-papo “Os dois cantos da literatura” com Marcelino Freire, escritor pernambucano radicado em São Paulo. O convite partiu do Sesc/PI e, bastante feliz, topei na hora. Além de admirador de sua obra, somos amigos desde 2012, quando o trouxe a Teresina para palestrar no Salipi, nascendo daí uma amizade que perdura até hoje. Nesse mesmo ano, ele me levou para lançar meu livro de crônicas, O dia em que quase namorei a Xuxa, na Balada Literária de São Paulo, evento cultural dos mais importantes do país que ocorre anualmente em Sampa – produzido pelo ilustre filho de Sertânia e realizado pela Livraria da Vila.  Ganhador do Prêmio Jabuti de 2006 com o livro Contos negreiros, Marcelino é um mestre das narrativas breves e um encantador de plateias com suas conversas envolventes e bem humoradas.  Daqui sigo com ele para Oeiras (15) e Parnaíba (19) a fim de continuarmos esse importante trabalho de incentivo à leitura e à escrita.