Depois do Salipi, em 2003, outras feiras literárias surgiram no Piauí, tanto na capital como no interior do estado. Fato extremamente animador do ponto de vista cultural e na formação de leitores, haja vista o pouco hábito de leitura entre nossa população. Se no Brasil a média não ultrapassa quatro livros por ano, abaixo de países vizinhos, imagine em solo piauiense, onde faltam bibliotecas e livrarias. Sem falar também de gestores indiferentes e da inexistência de políticas públicas nesse sentido. Não fossem alguns professores de índole quixotesca, vencendo moinhos de vento, a situação estaria uma lástima, sem os jovens terem acesso ao livro – verdadeiro passaporte para o futuro das novas gerações. Em Teresina, outro evento que desponta nessa área, precisamente no bairro mais populoso da cidade, é o Salão do Livro do Dirceu, previsto para acontecer entre os dias 20 e 22 deste mês.
Dentre os convidados da 2ª edição, Ano Clóvis Moura, poeta e sociólogo amarantino que dá nome ao campus da Uespi no bairro, local de realização do Saliceu, destaca-se o nome da Ana Miranda, escritora cearense consagrada nacionalmente a partir do lançamento, em 1989, do romance O Boca do inferno, reconstituição histórica da Bahia do século XVII com seus polêmicos representantes literários: Gregório de Matos e Pe. Antônio Vieira. Nessa sua obsessão em evocar vozes de outros séculos, no campo das letras, temos ainda A última quimera (Augusto dos Anjos), Dias & Dias (Gonçalves Dias) e Semíramis (José de Alencar). Em entrevista a jornal carioca, Ana Miranda esclarece esse paradoxo: “Mas minha identificação maior não é com personagens, e sim com o modo de narrar, de construir o livro. Os únicos personagens em que me vejo são os que eu mesma desenho, e todos eles. Desde Gregório de Matos até Semíramis ou Iriana, todos são pedaços de mim.”
Os outros três palestrantes nacionais, provenientes do Maranhão, já são bastante conhecidos do nosso público: o poeta Salgado Maranhão, filho de Caxias radicado no Rio de Janeiro, “uma das vozes mais originais de sua geração”, segundo Luiz Fernando Valente, professor da Brown University, que “representa um elo importante na evolução do que identificamos como a linha apolínea na moderna poesia brasileira. Herdeiro de Drummond, Cabral e Faustino, sua elegante obra poética continua e renova o melhor da produção poética brasileira das seis últimas décadas”; e a dupla formada por Celso Borges, poeta e letrista, e Beto Ehongue, DJ e compositor, que apresenta um trabalho poético da melhor qualidade, marcado pela irreverência e crítica política – “A posição da poesia é oposição”, performance aplaudida em São Luís e outras capitais do país, experimentações verbais e sonoras em torno da palavra.
A prata da casa vem representada por um timaço de profissionais, escolhido a dedo, que deixará o público simplesmente impactado com suas falas. A começar por Cineas Santos, professor e escritor, ao abordar “O Piauí na poesia de Dobal”, autor dos mais queridos de nossa literatura; Joselita Izabel, com “A mulher levanta a saia”, sobre a vida e a obra de Hilda Hilst, escritora malvista pelos textos eróticos; Feliciano Bezerra, com “A escritura de Torquato Neto”, uma visão multifacetada do artista predestinado a desafinar o coro dos contentes; Cícero Filho, cineasta maranhense, com o seu inquietante “Ai! Que Vida”, 10 anos de uma comédia política recordista de público e atual como nunca; Adriano Lobão, destrinchando “A luta com as palavras na redação do Enem”, fantasma que tira o sono de vestibulandos e concurseiros; e, entre outros, Nelson Nery Costa e Socorro Magalhães, ambos membros da APL, explicitando o legado e os desafios da Casa de Lucídio Freitas. O lançamento do evento ocorre amanhã (13), na Uespi do Dirceu, com palestra pra lá de instigante de Nathan Sousa: “A poesia brasileira do século XXI”, ele que é a grande revelação da nova safra da poética piauiense. Nunca esquecer que um país, tirada magistral de Monteiro Lobato, se faz com homens e livros. Ou não?