A cantora Bethânia disse certa vez, por meio da imprensa, que nossas escolas precisam urgentemente de poesia. Pra ouvir, recitar, escrever e respirar. Do professor ao aluno, da diretora ao porteiro, do coordenador à faxineira, da mãe ao filho, todos irmanados, num grande mutirão, nessa forma literária que toca fundo a alma da gente. Independente, deixou claro, de ser entendida ou não, pois o mais crucial é senti-la pelo corpo e viajar com e através das palavras. Com destino ao imponderável, frisou. E olha que ela, como ninguém, entende de poesia, vez que vive declamando, lindamente, em seus CDs e DVDs, textos de autores variados. Formando assim, a cada trabalho, novas gerações de leitor do gênero lírico, cultivado por muitos e apreciado por poucos. Caderno de poesias, reunião de poemas/canções/textos ficcionais, lançado por ela em 2015, é um bom exemplo dessa sua paixão pela escrita em versos.

Do Carlos Drummond, de quem ela gosta tanto, curto bastante os versos, sobretudo nestes tempos sombrios, que falam de companheirismo e solidariedade: “Não serei o poeta de um mundo caduco./ Também não cantarei o mundo futuro./ Estou preso à vida e olho meus companheiros./ Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças./ Entre eles, considero a enorme realidade./ O presente é tão grande, não nos afastemos./ Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.” Sem falar ainda que o poeta itabirano deixa claro nutrir, apesar do sufoco político da época, dentro e fora do Brasil, com a ditadura Vargas e a Segunda Guerra Mundial, grande esperança em dias melhores para todos, desde que sigam unidos, de mãos dadas. O poema faz parte de A rosa do povo, livro publicado em 1945, ano difícil de esquecer por marcar tragicamente o mundo.

Entre as poetas recorrentes, sobressai Cecília Meireles, escritora carioca que, misturando lírico e épico, produziu Romanceiro da Inconfidência, obra das mais importantes da literatura nacional, na qual traduz artisticamente um fato histórico do passado imbricado com o nosso presente democrático incerto, notadamente no que diz respeito à “Liberdade – essa palavra / que o sonho humano alimenta / que não há ninguém que explique, / e ninguém que não entenda!”. Chamando atenção dos brasileiros desde 1953, data de lançamento do livro, para a figura heroica de Tiradentes na sua luta, junto com outros patriotas,  pela independência do Brasil em relação a Portugal, pagando com a própria vida a defesa intransigente da liberdade: “Que onde não há liberdade não há pátria; que a morte é preferível à falta de liberdade; que renunciar à liberdade é renunciar à própria condição humana; que a liberdade é o maior bem do mundo; que a liberdade é o oposto à fatalidade e à escravidão.”

Por fim, relembrar sempre Os estatutos do homem, texto hoje clássico de Thiago de Mello, poeta amazonense mundialmente conhecido, no qual diz sabiamente, Artigo XIII, que “Fica decretado que o dinheiro / não poderá nunca mais comprar / o sol das manhãs vindouras. / Expulso do grande baú do medo, / o dinheiro se transformará em uma espada fraternal / para defender o direito de cantar / e a festa do dia que chegou.” E vai mais além, no seu Ato Institucional Permanente, dedicado ao saudoso Carlos Heitor Cony, jornalista e escritor dos bons que enfrentou a ditadura militar, ao decretar, no artigo IX, que “Fica permitido que o pão de cada dia / tenha no homem o sinal de seu suor. / Mas que sobretudo tenha sempre / o quente sabor da ternura.” Pra arrematar em Parágrafo Único, primeiro de dois, numa sacada das mais utópicas, típica dele, Thiago de Mello, visionário apaixonado pela vida, que “O homem confiará no homem / como um menino confia em outro menino.” Não dizendo mais nada por ser desnecessário, exceto que a poesia, como dissera Maria Bethânia, precisa chegar às nossas escolas imediatamente.