Recordações pra lá de arretadas, essas do Joca Oeiras, agora reunidas em livro, nas quais descortina, sem pudor nem moralismos, um monte de histórias envolvendo a família, sobretudo, o resgate afetivo dos pais, ele, o advogado e jornalista Antônio Mendes, militante comunista desde 1927, preso 22 vezes, além de amargar um exílio no Uruguai, amigo de Prestes e Apolônio e Marighella, companheiros das utopias socialistas, que, não resistindo à truculência do golpe militar de 64, termina se encantando ainda novo, aos 61 anos, vítima de infarto fulminante, deixando na memória do filho bordão dos mais didáticos: “Cabeça fria, coração quente”, enquanto ela, sua mãe Beatriz Carvalho, graduada em História e Geografia, de quem herdou o prazer em contar histórias e uma mala repleta de fotos dos entes queridos, era uma mulher e tanto, à frente de seu tempo, que ao perder o marido, bem como ansiosa por trilhar novos caminhos, resolve estrear no magistério, zona Leste de São Paulo, dando aulas em escolas noturnas, onde vem a conhecer, numa delas, sua alma gêmea, a também professora Maria Sebastiana, 20 anos mais nova, chamada carinhosamente por todos de Mariúcha, incluindo ela, amor lésbico que duraria até sua morte, embora fossem tidas, no convívio familiar, apenas como boas “amigas”, pois dividiam o mesmo teto e viviam correndo o mundo em viagens, felizes como nunca foram na vida, tudo dito e escrito de forma simples e poética, em textos curtos, através de linguagem acessível, própria dos mestres da palavra, a fim de tirar o fôlego do leitor com instigantes memórias, a exemplo da avó paterna, dona Otávia Winter, cujo nome foi abolido do convívio social por ter metido um par de chifre no marido, fugindo depois para a África com um padre, logo numa época em que o adultério (feminino, é claro) era considerado crime e passível de cadeia, merecedor do escárnio da sociedade, a ponto do pai e os tios serem apelidados, inclusive pelas tias solteironas, de grandes “filhos da puta”, vergonha que carregariam na alma pelo resto da existência, bem como o singelo relato que faz Joca Oeiras, dos poucos a seu respeito, quando ainda não passava de um guri, da inocente brincadeira do troca-troca com um amiguinho, peraltice comum entre adolescentes durante a descoberto do corpo, ou a lembrança emocionada, descrita com saudosismo, da Augusta “Eu faz”, empregada doméstica que marcou indelevelmente sua vida, rua Melo Palheta, no bairro Água Branca, figura e região de Sampa até hoje, segundo o “anjo andarilho”, impregnados de eternidade nessa bem traçada obra que ora ele torna pública – O terno e o frango -, a pertencer daqui pra frente, sabedor que é como blogueiro tarimbado, exclusivamente ao leitor, cabendo a este toda sorte de crítica, positiva ou não, desde que embasada na leitura completa do livro e feita com os olhos puros de uma criança, afinal estamos diante de um memorialista sensível e mestre em contar histórias que merece todo nosso respeito e admiração.
Wellington Soares
Coisas e outras