Naquele dia, a correria era grande. Algumas contas a pagar no banco e voltar logo à escola. Tinha apenas 30 minutos, o tempo do intervalo, para resolver tudo e pegar no batente novamente. Vida de professor é, como sabemos, assim mesmo. Uma dureza só. Mal dar pra respirar, que dirá bater pernas por aí. Quem mandou escolher tal profissão? O que não pode acontecer, nem que a vaca tussa, é deixar o alunado sem aula. Tudo estava dentro dos conformes, até a senhora do lado me cutucar e falar.
– Seu moço, o senhor pode preencher o formulário de depósito pra mim?
– Agora não, pois estou muito apressado. Talvez noutro momento.
– Só me serve hoje, infelizmente.
– Mas por que a senhora mesma não preenche?
– Porque sou cega, moço.
Percebendo o meu embaraço, até porque ela enxergava perfeitamente, o esclarecimento não tardou, de forma constrangedora e didática.
– Quem não sabe ler e escrever é cego.
O piso do banco, depois de tais palavras, começou a ceder aos meus pés lentamente, deixando-me imobilizado. Nunca algo, em quase 40 anos de magistério, havia sido dito com tanta pungência. Sentindo-me também responsável por esse absurdo, como educador e cidadão, não tive coragem de encará-la. Caso tivesse tentado, não seria possível, uma vez que a senhora desviara os olhos para baixo do balcão, humilhada. O retorno à sala de aula, após ouvir lição tão pedagógica, não foi nada fácil. Ao contrário, doloroso e sofrido, com sua fala martelando a cabeça.
– Quem não sabe ler e escrever é cego.
Como não havíamos resolvido em pleno século 21, indagava aos meus botões, esse grave problema que envergonha milhões de brasileiros, no Nordeste especialmente. Embora tenhamos avançado um pouco nos últimos anos, quanto à redução de analfabetos, os índices ainda permanecem bastante elevados: 7,2% (Brasil) e 17,2% (Piauí). Se temos método eficiente testado dentro e fora do país, como o de Paulo Freire, o que está faltando para erradicarmos de vez essa terrível praga?
– Quem não sabe ler e escrever é cego.
A gente só faz ideia do sofrimento dessas pessoas quando nos deparamos com uma delas passando tamanho vexame, a exemplo da senhora no banco. Ou, então, presenciando o drama que elas vivem nas paradas, tentando adivinhar o ônibus que devem pegar. Mas pior de tudo, acredite, é vê-las melarem o dedo na almofada e apertarem sobre o nome como assinatura. Essa imagem, aliás, nos dar uma ideia do país que realmente somos: atrasado, egoísta e profundamente desumano. A maior de todas as escuridões, digo sempre em sala, é a ignorância. Por isso, estudar faz bem, melhora a autoestima e não tem contraindicações. Não está mais do que na hora de nos juntarmos todos – governo, oposição e sociedade civil – a fim de encararmos esse justo combate? Inaceitável, penso eu, é continuar ouvindo, sem conseguir dormir tranquilo, a fala penosa daquela senhora.
– Quem não sabe ler e escrever é cego.