Às vezes que levei mamãe ao macumbeiro, coisa que ela fazia com frequência na época, ficava eu lá fora do terreiro, dentro do carro, ouvindo música, de preferência as cantadas por Belchior, trovador cearense de tiradas filosóficas e melodias inesquecíveis – pena ter se encantado de forma tão repentina. Sempre fui avesso, talvez por desinteresse ou ceticismo, das crendices de um modo geral. Ao surgirem intermediadas por terceiro, quando prefiro o diálogo livre e direto, a desconfiança só aumenta, deixando-me com um pé atrás. Mas naquela tardinha de final dos anos 70, acabei envolvido nas insondáveis previsões dos búzios e cartas, justamente no momento em que me preparava para conhecer o Rio de Janeiro, um presente pelos meus 17 anos. Sabe-se lá por quais motivos – quem pode entender, afinal, o que se passa no coração de uma mãe? -, dona Raimunda veio me chamar para ir falar com o dito cujo.

– O Pai de Santo quer falar com você.

– Não já pedi pra senhora me deixar fora disso.

– Mas, filhinho, é para o seu próprio bem.

– Como assim, para o meu bem?

– É sobre a sua viagem ao Rio, nas férias de julho.

Era só o que faltava, matutava com meus botões, mamãe abrir minha vida ao macumbeiro, uma pessoa desconhecida. Que tinha ele com a tal viagem? Qual seu interesse em conversar comigo? Na dúvida, bem como atendendo ao apelo de dona Raimunda, resolvi escutá-lo com atenção. Não tinha nada a perder.

– Pronto para conhecer a Cidade Maravilhosa?

– Sim, quero realizar um antigo sonho.

– Vai gostar muito de lá.

– Espero.

– Não tem outra igual em beleza.

– É o que ouço sempre.

– Porém, surgirá uma mulher na sua vida.

– Tomara!

A partir daquele instante, como num passe de mágica, a angústia se fez alegria. A felicidade apoderou-se de mim de forma arrebatadora. O aparecimento de mulher, seja em que idade ocorra, é sempre motivo de festa. Com tal vaticínio, não é que o macumbeiro parecia palatável e simpático. Somente depois das palavras angélicas veio o diabólico:

– Mas tem um problema.

– Qual?

– Apesar de bonita, perigosíssima.

– Como assim?

– Ela trará grandes complicações em sua vida.

– Não estou entendo.

– Melhor não entender mesmo, difícil explicar a malícia feminina.

– O que devo fazer, então?

– Fuja dessa mulher, caso não queira comprometer seu futuro.

Já no Rio, após a viagem de Itapemirim, não conseguia esquecer a recomendação feita pelo Pai de Santo. As palavras ainda estavam frescas na memória. Vira e mexe, mesmo diante de tanta lindeza de paisagens, a conversa com ele vinha bastante explícita: “Fuja dessa mulher se não quiser estragar a sua  vida”. Assim, qualquer mulher que olhasse em minha direção, eu já saía correndo dali. Longe de querer estragar meu “futuro promissor” por  um circunstancial envolvimento amoroso.

A raiva só acontecia nas praias de Ipanema e Copacabana quando, babando diante da sensualidade da mulher carioca, mandava às favas o conselho do macumbeiro. Tudo que queria naquele instante era ser merecedor do amor ou, pelos menos, do aconchego de uma daquelas sereias que desfilavam garbosamente na beira do mar, deixando o molecote sem respiração e de queixo caído. Meu consolo eram os versos de Vinicius: “Moça do corpo dourado / Do sol de Ipanema / O seu balançado é mais que um poema / É a coisa mais linda que eu já vi passar”.

Ao retornar a Teresina, danado da vida por não ter surgido mulher nenhuma, perigosa nem boazinha, acabei responsabilizando dona Raimunda pela frustrada experiência no Rio. Que ela despachasse o tal charlatão, uma vez que sua previsão furou completamente. Merecia ser preso, expressava indignado à mamãe, pessoa que cria falsas expectativas nos outros, principalmente em jovem carente, não lhe restando, nessa situação, outra saída exceto o prazer de sonhar e ter as mãos ainda mais calejadas.