A expectativa era grande no domingo retrasado, quando da entrega do Oscar 2020, em torno de Democracia em vertigem, filme brasileiro que concorria à estatueta de Melhor Documentário. O coração agitado, quase saltando do peito, na maior torcida para que, finalmente, trouxéssemos o cobiçado prêmio do cinema mundial. Um sonho acalentado por cineastas e atores brasileiros de várias gerações, tendo início em 1945, ao disputar Melhor Canção Original, com a música Rio de Janeiro, do lendário Ary Barroso, tema do filme norte-americano Brazil. Embora não tenha ganho, Petra Costa fez bonito no Teatro Dolby, em Los Angeles, na Califórnia, tanto pela marcante presença na cerimônia, trajando um belo vestido vermelho, quanto por denunciar, de forma sensível e contundente, o golpe parlamentar que tirou Dilma Rousseff da presidência da República e, depois de prender injustamente e tornar inelegível Lula,  possibilitou que a extrema-direita chegasse ao poder.

O primeiro brinde foi pra vitória de Renée Zellweger, norte-americana que, merecidamente, levou o Oscar de Melhor Atriz pela atuação grandiosa no filme Judy: muito além do arco-íris, ao encarnar a estrela do cinema americano Judy Garland, mãe de Liza Minnelli, no último ano de sua vida tão conturbada, já em pleno declínio da carreira musical, quando é obrigada a mudar para Londres devido questões financeiras e a guarda dos filhos. Não bastasse tudo isso, ainda tinha o problema de alcoolismo, que a levava a chegar atrasada e cair nos shows; e, a exemplo de outras divas, as decepções amorosas. Filme que nos deixa, como diria Drummond, comovidos pro diabo frente ao impactante desempenho de Renée Zellweger. Com este, ela soma dois Orcars, o primeiro conquistado em 2003, de Melhor Atriz Coadjuvante, no drama Cold Mountain. Sem falar de quatro Globos de Ouro, dois BAFTAs e quatro SAG Awards.

Quem mereceu a outra taça de vinho foi, sem páreo na disputa, o talentosíssimo Joaquin Phoenix, porto-riquenho que arrebatou o Oscar de Melhor Ator por interpretar, magistralmente, um dos grandes vilões de histórias em quadrinhos (DC Comics) – Joker, batizado de Coringa no Brasil, ambos significando palhaço. Sua atuação é tão impecável, sob todos os aspectos, que o personagem Arthur Fleck, cuja história de abuso o torna um criminoso niilista, vira símbolo de redenção para os marginalizados de Gotham City. E agora com o filme e o Oscar não se transforme também, quem sabe, em esperança aos milhões de deserdados pelo capitalismo mundial. Phoenix já havia me impressionado bastante, como ator genial, em Gladiador, no qual faz o papel do diabólico Cômodo que, pra chegar ao poder, mata o pai, o imperador Marco Aurélio, e persegue implacavelmente Máximus, general preferido pelo seu predecessor ao trono de Roma.

Mesmo pego de surpresa com a premiação de Parasita, que levou o Oscar de Melhor Filme, não deixei de saborear mais uma taça de Casa Valduga, vinho tinto produzido na Serra Gaúcha. Primeiro, por não ter visto o filme sul-coreano. Depois, ser torcedor de O Irlandês, do mestre Scorsese, sobre a velha temática da máfia e reunindo elenco de primeira: Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci e Harvey Keitel. O deslumbramento não poderia ter sido melhor, “na vida de minhas retinas tão fatigadas”, ao presenciar um cineasta jovem, Bong Joon-Ho, trazer à tona o problemão da desigualdade social de forma realista e bem-humorada, que não atacado com seriedade vai explodir em pouco tempo – afinal, ninguém nasceu pra viver como rato, a exemplo de Ki-Taek e seus familiares, enquanto uma minoria esbanja riqueza e luxo, representada pelos Park, família de classe média alta. De tão bom, mereceu ainda mais três Oscars: Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Filme Estrangeiro. Que tal conhecermos outros trabalhos do criativo Joon-Ho, tais como Memória de um assassino, O hospedeiro e Expresso do amanhã?