Aquela aula tinha tudo para ser igual às demais. Com ela, fecharia a programação do ano. O assunto em questão era o Concretismo, vanguarda poética surgida no Brasil em 1956 que propunha, entre outros aspectos, o fim do verso e a valorização da linguagem visual. Mas, no finalzinho, veio o inesperado. Concluída a matéria, resolvi ler, por força do hábito, o trecho de um livro. Na ocasião, havia levado Por um fio, coletânea de histórias escritas por Drauzio Varella, nas quais o renomado médico descreve o sofrimento dos pacientes de câncer em face da iminência da morte. Quando dei por mim, estava com a voz embargada, um choro difícil de conter. Sugeri, então, que alguém tomasse o meu lugar. De nada adiantou, uma vez que choro espalha rápido, puxando uma corrente de solidariedade.

O desfecho da leitura não poderia ser diferente. Quem mandou escolher o relato mais penoso de todos? Justamente no que ele conta, de forma pungente, a morte do próprio irmão. Fernando, médico oncologista como Drauzio, descobre aos 45 anos que está com câncer de pulmão: “Quando tossi de manhã, encontrei uma mancha de sangue na secreção. Fiz uma chapa, apareceu um nódulo especulado no pulmão direito”. Como se não bastasse, ainda recebeu o pedido para que cuidasse, junto com o outro sócio da clínica, diretamente do caso. Dada a agressividade da doença, Drauzio Varella tratou logo de montar a melhor estratégia para combatê-la, embora soubesse das remotas possibilidades de êxito. A despedida entre os irmãos, algum tempo depois, parecia irrevogável. A morte já se fazia anunciar, mostrando sua feição implacável, cruel. Para Fernando, aliás, os momentos que a antecederam foram prenhes de grande lição: “Nos últimos meses, pude entender melhor o significado de estar vivo, e isso me trouxe uma paz que você não pode imaginar”.

Diferentemente de Estação Carandiru, quando nos levou a perceber que o homem brasileiro não é tão cordial assim, Drauzio nos conduz nesse livro a uma reflexão desapaixonada sobre nossa frágil condição humana: “Nada transforma tanto o homem quanto a constatação de que seu fim pode estar perto”. Na condição de médico, o sofrimento se manifesta em dobro, tanto em dar ao paciente o diagnóstico fatal quanto em ter consciência de sua vulnerabilidade. Mais difícil ainda é ser “obrigado” a tratar de pessoas próximas, queridas. Em qualquer situação, somente profissionais vocacionados como ele, são capazes de suportar tamanha dor. Mais impressionante, sem virar uma pedra de gelo nem abdicar, tampouco, da enorme paixão que os liga fraternalmente aos enfermos.

O choro que interrompeu a minha leitura em sala de aula tem uma explicação. Ouvir o relato sincero desse médico paulista acordou em mim a lembrança de Francisco, irmão querido levado de nosso convívio, vítima também de câncer. Revi naquele instante ali, coisa de minutos, a luta destemida que ele travou, no Rio de Janeiro, em defesa da vida, partindo ainda muito novo, deixando um monte de saudade. O consolo que fica, nesses casos, é a dedicação de médicos que pautam sua conduta no princípio de que mais do que curar, o objetivo fundamental deles é aliviar o sofrimento humano.