Filme bom é aquele que, além de emocionar nossa alma, desperta o desejo na gente de socializar com os amigos. Uma vontade premente de pegar o celular e ligar pra Deus e o mundo, sugerindo que não deixem de ver, de jeito nenhum, tal produção cinematográfica. Daqueles que chegamos, inclusive, a apelar sutilmente: “Não deixe de assistir antes de morrer”. Diante da imprevisibilidade do futuro, a pessoa não perde tempo e corre atrás. Mas qual filme específico, desembucha logo, deixou este cronista tão empolgado assim? Trata-se de Mil vezes boa noite, do cineasta norueguês Erik Poppe, lançado em 2013, um drama que retrata a vida perigosa de uma fotojornalista especializada guerra (Rebecca), interpretada magistralmente pela atriz Juliette Binoche.
O começo da história é apavorante, de tirar o fôlego do espectador. Uma das cenas mais fortes do filme. No Afeganistão, Rebecca presencia o ritual macabro de uma mulher-bomba, desde a simulação do enterro em cova até a instalação de explosivos no corpo. Achando pouco, solicita permissão para acompanhá-la na missão suicida. A tensão dentro do carro é grande, com ela registrando os instantes que antecedem o atentado, inclusive o momento da explosão no mercado, apinhado de gente, resultando em várias mortes e um monte de feridos, ela escapando por sorte. Mesmo tonta e assustada, quase não se aguentando em pé, Rebecca dispara sua máquina a fim de documentar tudo. Aqui surge indagação pra lá de pertinente: é ético buscar a beleza na destruição e na morte? Ou, ainda, vale a pena colocar a vida em risco pra saciar a fome de cadáveres da grande mídia e dos leitores dessas notícias fúnebres?
De volta ao seio familiar, a fotógrafa trava uma luta difícil para se recuperar das cicatrizes físicas e dos traumas psicológicos, até porque se sente culpada pelo atentado. Mal sabe ela que a peleja mais dura será reconquistar a confiança do marido e das duas filhas, que sofrem com suas prolongadas ausências cobrindo guerras pelo mundo. O contato com eles é feito, aliás, mais por telefonema do que presencialmente. Daí o enigmático título do filme, referência à quantidade de ligações dada, à noite, aos entes queridos. Num diálogo com Step, filha mais velha, esta a indaga por que começou a tirar fotos de guerra, recebendo de Rebecca a seguinte resposta: “Raiva”, reportando-se à indiferença do mundo em relação ao massacre de inocentes, sendo as fotos que tira instrumento importante na denúncia dessa barbárie. Os massacres hoje na síria tornam a película extremamente atual.
Optando pela família, Rebecca resolve aposentar a máquina de fotografia, sob protesto da editora do jornal, e dar uma reviravolta na vida. Sua decisão a aproximou das filhas e trouxe de volta o amor de Marcus (Nikolaj Coster-Waldau), com o casal retomando o idílio amoroso de outrora. Mas o convite de um amigo, para cobrir um acampamento de refugiados no Quênia, põe tudo a perder. Ela só aceita por garantirem não haver conflito armado e por insistência da própria filha, que deseja apresentar trabalho na escola sobre esse tema. Ao chegar lá, a história é outra, o acampamento invadido por tribos inimigas e a matança correndo solta. Mesmo pondo a vida de Step em perigo, Rebecca saca a máquina e não parar de fotografar. Ao saber do ocorrido, o marido sentencia, revoltado: “Quero você fora desta casa”. Triste de dar pena, a coitada apenas murmura: “Comecei algo de que não posso fugir”.
E qual o desfecho do filme? Rebecca retorna a Cabul para cobrir, a pedido do jornal, o ritual preparatório das mulheres-bombas, deparando-se desta vez com uma garota quase da idade de sua filha. E aí? Aí que não sou estraga-prazer pra contar o final, cena que embrulha nosso estômago em definitivo.