O sol já despontava no topo do Gurupi, bairro próximo à ladeira do Uruguai, quando concluí as Memórias do Zé / Volume I, um calhamaço de 496 páginas. Na realidade, sua pra lá de instigante autobiografia, escrita ainda na prisão, detalhando uma fascinante trajetória de vida que mais parece um roteiro de filme – desde a militância estudantil nos anos 1960, que rendeu prisão e exílio, até sua luta atual, fora das grades, em recolocar o Brasil nos trilhos da democracia outra vez. Embora cismado com esse tipo de livro, marcado geralmente pelo cabotinismo, gostei ao perceber que o Zé, diferente dos outros, assume qualidades e defeitos, apresentando-se como uma pessoa normal – sem encarnar o estereótipo de herói nem mito Além de afirmar, sem meias palavras, que “não estou escrevendo para o passado, mas para o futuro, para as próximas gerações, para aqueles que ainda estão no meio do caminho.” Ao invés de fanfarronices, o leitor aprecia mesmo, cá entre nós, é de relatos pautados na verdade, rabiscados “com o coração e a alma”, deixando o autor completamente nu, visto indistintamente pelos dessemelhantes: criança e adultos. Mas de que Zé você está falando? Do Zé Dirceu, cara pálida, ex-presidente nacional do PT e ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula. Um mineiro de Passa Quatro, interior de Minas Gerais, de família humilde e religiosa, daí a origem do nome bíblico José, que ao migrar pra São Paulo – “Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas” – ganha consciência política, em plena ditadura, ao ingressar na Faculdade de Direito da PUC e participar das mobilizações da UNE, embalado pelo sonho juvenil de revolucionar Pindorama sob todos os aspectos imagináveis. No turbilhão da época, depois vieram, baixado o AI-5, com o fechamento de todas as portas, a opção pela luta armada e a prisão, exílio em Cuba ao ser trocado pelo embaixador norte-americano, treinamento pra ser guerrilheiro na ilha de Fidel, o retorno clandestino ao Brasil (de rosto mudado após cirurgia plástica), casamento com Clara Becker (com quem teve o filho Zeca) em Cruzeiro do Oeste, no Paraná. Com a anistia de 1979, desaparece o Carlos Henrique Gouveia de Mello, pseudônimo adotado pra escapar da repressão, e reassume sua verdadeira identidade o José Dirceu de Oliveira e Silva, filho de Castorino de Oliveira e Silva e Olga Guedes. A partir daí a trajetória do Zé Dirceu, como passou a ser chamado, é mais ou menos conhecida dos brasileiros, toda ela ligada ao Partido dos Trabalhadores: ajuda a fundar o PT em 1980, deputado estadual e federal do partido por São Paulo, presidente nacional da sigla e estrategista da chegada do Lula ao governo federal: “Assinei a ata de fundação com o sentimento de que acabava de readquirir meus direitos políticos e minha nacionalidade que a ditadura roubara. O PT entrou em minha vida para não mais sair.” Antes que alguém pergunte, Zé também fala sobre o escândalo do “Mensalão”, da cassação do mandato pelo Conselho de Ética da Câmara Federal, da condenação pela Lava-Jato, dos momentos solitários no Presídio da Papuda, em Brasília, e da incansável labuta em provar sua inocência das várias acusações. E das mulheres e amores, ele não menciona nadinha de nada? Claro que sim, uai, como figura sedutora que sempre foi em relação ao sexo feminino. Deixando o preconceito ideológico de lado, convido você, leitor(a), a mergulhar numa história do Brasil envolvente e contada por um dos quadros mais brilhantes da esquerda nacional. Feliz da vida e saboreando um novo dia, que nasce repleto de aprendizagens, dialogo com meus botões: que venha agora, sem muito tardar, as Memórias do Zé Dirceu – Volume II