Convencer o pai a tomar um avião não foi tarefa fácil, trabalho que levou anos. Mas eles, os filhos, nunca desistiram. A cada ano repetiam o convite e, claro, apresentavam novos argumentos. Sempre reforçando a mesma tese: transporte aéreo era o mais seguro de todos. Desconfiado, Seu Amaral dizia que tudo bem, mas ao cair, o que não era tão raro assim, não sobrava ninguém pra contar a história. A mulher, embora pensasse diferente, fechava com ele. Até que um belo dia, tomado de coragem repentina, resolveu enfrentar os receios e visitar os pimpolhos na Cidade Maravilhosa, onde moravam há bastante tempo. As coisas caminhavam bem, no aeroporto, até a moça, no balcão da companhia, solicitar-lhe um telefone para contato.
– Posso saber pra quê?
– Caso ocorra algo.
– De que tipo?
– Nada não, senhor, pura formalidade.
– Como assim?
– Apenas um procedimento de segurança.
– Vocês já não têm meu contato?
– Não serve, senhor.
– Não serve?
– Tem de ser de um parente próximo.
– Por quê?
– Norma da empresa.
– Com que finalidade?
– Avisar numa emergência.
– Que emergência?
– Sinto muito, mas o senhor está atrapalhando a fila.
– Atrapalhando?
– Sim, ao recusa dar o telefone.
– Recusar não, quero entender apenas que emergência é essa.
– Uma emergência qualquer, senhor.
– Isso é muito genérico, não acha senhorita?
– Não, pois ninguém questionou até hoje.
– Eu não sou ninguém, mas um cliente que exige uma resposta plausível.
Estavam nesse impasse, quando o gerente da empresa, solicitado por um grupo de passageiros, interveio na conversa entre os dois, dirigindo-se gentilmente ao desconfiado Amaral. Com um pouco de habilidade, quem sabe não conseguisse o tal de contato.
– Em que posso ajudá-lo, senhor?
– Respondendo que emergência é essa.
– Quem falou em emergência?
– Sua funcionária.
– Força de expressão apenas, senhor.
– Qual a razão dessa exigência, então?
– Pura formalidade burocrática.
– Sou obrigado a dizer?
– Infelizmente, sim.
– Vocês estão escondendo algo de mim?
– Longe de nós, senhor.
– Por que essa exigência absurda?
– A imprevisibilidade do futuro.
– Um acidente com o avião, por acaso?
– Não falei isso, senhor.
– Mas deixou em aberto.
– Não dificulte nosso trabalho, por favor.
– Dificultar?
– Queremos tão somente o contato de alguém próximo.
– Pra quê?
– Entrar em contato, havendo necessidade.
– Sei!
E mais não disse, Seu Amaral, desistindo da viagem. Poderiam culpá-lo por tudo, exceto que nem tentou embarcar naquele pássaro de ferro. Não fosse a expressão emergência, dita pela atendente, teria matado a saudade de Camila e Júnior, filhos amados; e, ainda, conhecido as belezas naturais do Rio de Janeiro. Já em casa, mais tranquilo, não tardou muito a receber uma ligação pra lá de triste. A voz inconfundível, do outro lado da linha, era bastante familiar.
– Mas pai…
– Desculpa, filho.
– Nem pra avisar que não tinha dado certo.
– Fiquei com vergonha.
– De quê?
– Difícil explicar o medo em relação a avião.
– Entenderíamos.
– Na próxima vez, quem sabe.
– O avião chegou na hora e sem problema.
– Talvez porque não embarquei.
– Essa não, velho, assim já é demais.
– Diga pra Camila que sinto muito.
– Como está mamãe?
– Assim como vocês, frustrada comigo.
– Também não é pra menos, velho.
– Quem pôs tudo a perder foi a mocinha da Gol.
– Que tem ela?
– Falou em emergência.
– Como assim?
– Pediu um telefone em caso de emergência.
– Uma praxe da empresa, pai.
– Por que falar em emergência a quem morre de medo de avião?
– Sei lá!
– Pensei logo no pior.
– Tipo?
– Colisão num morro, todos mortos, inclusive eu e a mãe de vocês.
– Melhor dormir agora, velho, e esquecer tudo isso.
– Boa ideia, filhão!