Por Wellington Soares, professor e escritor

Seu nome completo é Maria das Graças Targino, com o qual assina os livros já lançados e os que estão por vir, pois adora viajar com e através das palavras. No trato pessoal, costuma ser chamada apenas de Graça Targino. É paraibana de João Pessoa, tendo chegado a Teresina no distante ano de 1971. Dos pais herdou a paixão pelo jornalismo e magistério.

Fora isso, ama cinema e teatro, áreas nas quais já arriscou uns passos. A música a transporta para o além, enquanto o voluntariado a acalma e lhe faz bem. Mas, por anos, fez tapeçaria e, acredite, ensaiou pintura de porcelana. Ama cozinhar, viajar, tem a casa como refúgio preferido e gosta de idiomas. Como ela se vê emocional e psicologicamente? “Sinto-me camaleão, luto como leão e sobrevivo como um pássaro azul”.

A estreia literária ocorreu em 2008, com o lançamento de Palavra de honra: palavra de graça. Depois veio Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos, em 2014. O livro mais recente, publicado em 2019, recebeu o sugestivo título de Amar, viver, escrever – síntese das veredas que marcam indelevelmente sua atribulada existência. Todos de crônica, focados em temas do cotidiano, linguagem simples, tom de esperança e marcados pela leveza do gênero.

Mas o que Graça sempre quis e conseguiu, evocando aqui o famoso texto de Simone de Beauvoir, “foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida. Unicamente o sabor da minha vida. Acredito que eu consegui fazê-lo. Vivi num mundo de homens, guardando em mim o melhor da minha feminilidade. Não desejei e nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos”.

Bom ouvir agora, sem mais delongas, esta Cidadã Teresinense, título merecidamente recebido da nossa Câmara Municipal, o que ela tem a nos dizer sobre literatura, crônica, textos acadêmicos, opção pelo magistério, crítica literária e, não podia faltar, sob que ponto de vista as relações humanas aparecem em sua obra. Dificilmente você não irá se apaixonar, feito eu, pela Maria das Graças Targino. Vamo que vamo!

 

Frida Kahlo dizia que a pintura dela trazia consigo a mensagem da dor. Quanto à sua literatura, traz o quê?

Talvez, esta seja uma pergunta a ser respondida pelos meus leitores mais assíduos. De qualquer forma, ouso afirmar que meus textos trazem uma mensagem de VIDA: vida e morte, alegria e tristeza, esperança e desesperança, amor e desamor, encanto e desencanto, paz e guerra, céu azul e céu cinzento… VIDA!

Qual escritor(a) a impactou tanto a ponto de querer trilhar também esse tortuoso caminho?

Respondo de imediato e sem vacilo: meu pai foi meu grande mestre. Partiu quando eu era ainda criança, aos 12 anos. Dentre todos os acontecimentos que marcaram minha infância e adolescência, esta foi a dor maior. Passei a vida inteira buscando “pai”, querendo colo, um desassossego só. Dele, do meu pai, herdei o temperamento irrequieto, a vontade de ler e escrever…
Ele, jornalista sem diploma. Ele, sem qualquer instrução formal. Ele, sem jardim de infância. Ele, sem bancos escolares. Ele, sem farda engalanada ou lanches achocolatados. Sob outro ângulo, ele, com inteligência, persistência, obstinação e imenso amor às letras. Letras que se tornam frases, textos, contos, livros, matérias jornalísticas, etc. Meu pai, autodidata, numa época em que vocação era magia e encantamento, tornou-se, em curto espaço de tempo, escritor, ghost-writer (termo inexistente, à época) de grandes políticos paraibanos e, sobretudo, jornalista, numa vida curta, mas vivida com intensidade, fervor e furor. Por suas mãos, desde muito cedo, descobri, pouco a pouco, escritores e poetas, considerados, à época, grandes nomes nacionais e internacionais, a exemplo de José de Alencar, Franz Kafka, Marcel Proust, Honoré de Balzac, José Lins do Rêgo, Machado de Assis, Fedor Dostoievski, Érico Veríssimo, Augusto dos Anjos e muitos outros. Por isso, evito, categoricamente, mencionar livros-chave ou autores-chave. Temo cometer injustiças, desde que, de uma forma ou de outra, todos me propiciaram momentos inesquecíveis de sonho e, principalmente, de descoberta de mundo. Mas, não titubeio: meu pai foi, sim, apesar de sua partida precoce, o escritor que me mostrou a estrada a percorrer e me deixou como herança a vontade insana de trilhar esse adorável caminho, não importa, se, vez por outra, tortuoso e íngreme.

O fato de eu ou alguém escrever um romance ou um conto não lhe assegura a garantia de bom literato. Há péssimos contistas, romancistas, poetas e assim por diante. O gênero não é determinante da qualidade dos textos.

Por que a escolha da crônica dentre as várias opções do gênero narrativo?

Não diria que foi uma escolha. Como desde jovem, vivo a compulsão de ver e enxergar as pessoas, numa busca quase obsessiva de autenticidade e verdade, a crônica instalou-se em meus escritos. Afinal, é ela o gênero que permite, com relativa facilidade, denunciar as mazelas sociais, o cotidiano de quem nem tem voz nem vez. Independentemente dos conceitos formais que rondam a crônica, sem dúvida, é este o cerne da crônica: olhares acertados ou enviesados acerca da linha tortuosa das cidades e do viver, ou seja, o registro bem ou mal humorado do dia a dia das coletividades. Aliás, o delicioso livro de Carlos Drummond de Andrade, “De notícias e não notícias faz-se a crônica”, ano 1974, reforça, desde o título, a concepção de crônica: as notícias, simbolizando o real; as não notícias, o imaginário do cronista.

Foi a escritora que a levou ao magistério superior ou o contrário?

Impossível delinear: vocações que se cruzam e entrecruzam. Aos que me perguntam algo similar, retrocedo na linha mágica e, ao mesmo tempo, cruel do tempo. E lembro, então, do que tão sabiamente o escritor colombiano Gabriel García Márquez diz, no preâmbulo do livro “Viver para contar”: “A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la.” Pois bem, me enxergo, rascunhando ou esboçando anotações em busca de imprimir feição definitiva a meus textos de menina e, logo depois, de adolescente, guardados, como não poderia deixar de ser, a sete chaves, ou melhor, a uma única, pequenina e frágil chave de um diário cor-de-rosa. Por outro lado, sempre brinquei de professora. Cedo, descobri ser este o caminho para desvendar com mais propriedade o viver. Como os pensamentos são sombras que vêm e que passam, às vezes, me pego a imaginar que nasci professora: revejo a sala grande de uma casa grande, onde aos meus irmãos cabia a função de atuar como endiabrados alunos. Quando resistiam, restavam minhas bonecas, de verdade ou de fantasia. Passados os anos, bonecas transmutadas em filhos, continuei a escrever.

Há preferência por algum de seus três livros e qual deles teve melhor acolhida pelos leitores?

Antes de meus três livros de crônicas aos quais se refere – “Palavra de honra: palavra de graça”, 2008; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos”, 2014; “Amar, viver, escrever”, 2019 – e concomitantemente a eles, como acadêmica, que ingressou muito jovem como aluna, aos 17 anos na Universidade Federal de Pernambuco e aos 22, como profissional bibliotecária e adiante como docente junto à Universidade Federal do Piauí (UFPI), tenho escrito bastante nos campos da Biblioteconomia, Ciência da Informação e Comunicação Social (Jornalismo). Textos de diferentes naturezas: livros, capítulos de livros, artigos técnico-científicos, comunicações em eventos científicos, tanto em suporte impresso quanto eletrônico. Segundo resgate do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio do Currículo Lattes, até esta data, são nove livros; 66 capítulos de livros; 16 livros organizados; 181 artigos técnico-científicos; 33 artigos em revistas (magazines); 67 trabalhos publicados em anais de eventos; e 871 artigos em jornais.
O que ocorre é que os textos técnicos e científicos, lançados por instituições de ensino superior e editoras comerciais exigem do autor menor esforço de divulgação porque elas mantêm uma infraestrutura adequada e um público-alvo definido. Por exemplo, possuo capítulo em livro da renomada Editora Atlas; da Universidade de Brasília e de muitas outras IES. Lancei em coautoria com a Professora Sueli Mara S. P. Ferreira (USP), trilogia sobre editoração de revistas a cargo do SENAC-SP e minha tese de pós-doutoramento conquistou o Prêmio The Information for All Programme da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), fato ignorado pela mídia local. No auge do surgimento da internet, lancei capítulo sobre as decorrências sociais que adviriam da Rede, em capítulo do livro “Cultural ecology” do International Institute of Communications (Londres), ainda em 1997, com a ressalva de que, curiosamente, os impactos previstos se confirmaram.
Aliás, poderia discorrer muito mais sobre esta faceta de minha produção. Porém, retornando à questão específica alusiva aos livros de crônicas, empiricamente, têm nível de aceitação similar, com o adendo de que o primeiro deles está completamente esgotado. São livros editados sob meu encargo e sem qualquer ajuda de custo nem da instituição a que dediquei toda minha vida (UFPI) nem tampouco de órgãos governamentais. Jornada silenciosa e solitária… Consequentemente, divulgação lenta e capenga….

Que acha dos críticos que afirmam ser a crônica um texto literário menor, inferior?

Para falar a verdade, não tenho a pretensão, aqui e agora, de discorrer sobre crônica como gênero literário ou jornalístico, até porque os gêneros nada mais são do que um conjunto de traços característicos, mas instáveis, que marcam a obra dos autores. Aliás, o fato de eu ou alguém escrever um romance ou um conto não lhe assegura a garantia de bom literato. Há péssimos contistas, romancistas, poetas e assim por diante, como há péssimos cronistas. O gênero não é determinante da qualidade dos textos.
Indo além, dificilmente, um mesmo autor se prende a vida inteira a um só tipo de texto. Por exemplo, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende, trio que parece resgatar a crônica do limbo em que estava no contexto da literatura brasileira, à época, apesar de considerados os maiores cronistas do Brasil, também transitam em outros segmentos literários. Sabino, romancista, contista e novelista. Paulo Mendes, poeta e crítico literário. Otto, contista, novelista e romancista. Para ideia mais precisa, a Wikipedia, que ocupa, mais e mais, o espaço antes destinado à Britannica Online, em seu verbete – cronistas do Brasil –, arrola cerca de 100 nomes, dentre os quais, estão: Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, José de Alencar, José Lins do Rego, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Mário Prata, Martha Medeiros, Nelson Rodrigues, Olavo Bilac, Rachel de Queirós, Rubem Alves, Rubem Braga, e assim quase indefinidamente. As exceções dos “cronistas de carteirinha” ficam por conta de alguns poucos. É o caso de Dom Hélder Câmara, polêmico arcebispo de Recife e Olinda, que dedicou parte de seu tempo a escrever belas e expressivas crônicas sobre as duas cidades. É o caso, também, de Paulo Fernando Craveiro, do tradicional Diário de Pernambuco (Recife), cujas crônicas auxiliam a reconstituir nosso tempo.
Logo, a fala dos críticos que afirmam ser a crônica um texto literário menor ou inferior não produz eco na esfera de meu viver ou ser…

Sob que enfoque aparecem as relações humanas em sua obra?

Tento – não sei se consigo – dar espaço, como falei anteriormente, a temas que afetam a existência dos que estão afundados (não alojados) em estratos sociais mais depreciados. Não falo somente de (des)nível social, cultural e/ou econômico. Imigrantes, homossexuais, velhos, doentes mentais, prostitutas e michês, drogaditos, quilombolas, indígenas, todos estes são temas recorrentes em meus escritos… Mas não há só dor. O canto das baleias nos encanta. Livros, leitura e bibliotecas dão esperança aos que integram o Projeto da Remição pela Leitura do Sistema Penitenciário Federal. O amor e a amizade incondicional valem muito! Em suma, há muito a ser visto e revisto nas relações humanas, o que nos fazem repensar a vida e a morte.

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