Entrevista por Wellington Soares, professor e escritor
Foto: Antônio Andrade
Eu o conheci pessoalmente em 2012, mas já ouvira falar muito dele no meio artístico. A nosso convite, Marcelino Freire veio ao 10º Salipi, realizado à época na Praça Pedro II, papear sobre “Amar é crime e outras paradas culturais”.
Em novembro do mesmo ano, fui a São Paulo, retribuindo a visita, a fim de conhecer a Balada Literária, evento cultural idealizado por ele e um dos mais importantes do país. Depois desses encontros, não nos largamos mais. Foi amizade à primeira vista.
O filho de Sertânia (PE) veio a Teresina outras vezes, foi o entrevistado da Revestrés#16 e iniciou o projeto Quebras, do Itáu Cultural, por nossa capital; eu, por outro lado, estive noutras edições do projeto e, atualmente, sou o curador da Balada no Piauí.
Além de um grande “agitado cultural”, como prefere ser chamado – organizando feiras de livros pelo país e ministrando oficinas de escrita criativa -, Marcelino Freire inscreve ainda seu talento na contemporânea literatura brasileira, destacando-se nos textos em prosa: Contos Negreiros (Prêmio Jabuti 2006/Conto) e Nossos ossos (Vencedor do Prêmio Machado de Assis/Romance).
Trancado em seu apartamento, na grande São Paulo, Marcelino nos concedeu uma baita entrevista. Bora conferir?
Evocando o poeta Fernando Pessoa, indago se a peleja em organizar a Balada Literária durante esses 16 anos valeu a pena?
Vale a pena, a purpurina, a fantasia. Faço porque não me aguento… Dizem que eu sou agitador cultural. Não, eu sou “agitado”. Agitar para sair do lugar. Aliás, você também, Wellington, eita escritor, eita professor agitado…
Qual a importância da cultura na vida das pessoas, sobretudo, em tempos de pandemia e isolamento social?
A cultura abre a nossa alma, nos faz companhia, ajuda a gente a enxergar… Nessa pandemia mesmo, tantos e tantas artistas que vieram nos abraçar, olhar nos nossos olhos… Veja, por exemplo, Chico César. Quantas canções inéditas ele fez no Instagram. Cantando ali do quintal da casa dele para dentro da nossa casa. O artista, nessa pandemia, deu “asas” às nossas “casas”.
Comparada aos anos anteriores, como você avalia a edição virtual de 2020?
A gente não deixou de fazer. Quando eu digo “a gente”, eu digo: você, no Piauí; Nelson Maca, na Bahia; e eu, aqui, costurando essas pontes em São Paulo. Vocês são meus parceiros “baladeiros”. A gente fez a Balada virtual nas mesmas datas em que havíamos programado sem saber da pandemia… Que homenagem linda fizemos, nacionalmente, a Geni Guimarães. Ficou aí, tudo gravado. Somos resistentes e não ficamos “parados”. Agitamos sem sair de casa… Foi uma Balada histórica e vitoriosa nesse sentido…
O que representa o desmonte da cultura, pelo governo federal, na produção e na vida dos artistas brasileiros?
Não falo de cultura quando me refiro a eles que estão aí, chamo só de “desmonte” mesmo. “Governo”, qual? Federal? Não há uma consciência “federal”… Só “federal” de “feder”. É triste o que acontece. Mas repito: a gente não para. A gente teima. A gente é enfrentamento. Esse o nosso papel: o de lutar “gritando”. Gritando com o que a gente escreve, com o nosso testemunho, com os nossos “livros” em punho. A nossa palavra é um calibre pesado, viu?
Uma das inovações deste ano é a realização da Balada Mês a Mês. Explica os objetivos disso.
Por causa da experiência da Balada Literária virtual do ano passado, achamos que poderíamos mês a mês continuar abraçando as pessoas virtualmente. Por isso, resolvemos fazer um especial da Balada todo mês. Uma maneira idem de a gente organizar a memória do evento, que acontece desde 2006. Temos muito material gravado, daí exibimos. E também tem atração inédita a cada mês, como as “aulas” que acontecem na Sala Paulo Freire. Estamos já nos antecipando ao centenário de Paulo Freire que acontece este ano. Todo mês tem uma aula inédita. Vocês podem assistir tudo pelo canal do YouTube, da Balada Literária. Claro que haverá a Balada Literária anual, em novembro desta vez. Esperamos que seja presencial…
Quem são os artistas homenageados em 2021 nas três capitais e que papel cada um deles exerce na cultura nacional?
Vamos fazer a décima sexta edição da Balada Literária em novembro e resolvemos trazer de volta a poeta Geni Guimarães, desta vez ao lado da escritora indígena Eliane Potiguara. Queremos abraçar e celebrar essa dupla de autoras brasileiras. Se elas são conhecidas, mais gente precisa conhecer. E o que dizer do Marcelo Evelin, aí de Teresina? Conheci por causa de você. O trabalho dele na dança, nas artes, na filosofia de coletividade é algo à frente… Evelin é mundial. Se muita gente o conhece, mais gente precisa conhecer. Sobre a homenageada da Bahia, Nelson Maca está confirmando ainda. Aguardemos em breve o anúncio de mais essa celebração.
Que sensação você experimenta hoje, depois de lançar em 2018 a antologia-manifesto “Lula Livre – Lula Livro”, ao ver restituídos os direitos políticos do ex-presidente?
A gente vem gritando desde o golpe sofrido pela Dilma. Ali começava uma narrativa forjada de “combate à corrupção”. Quando Lula foi preso, resolvemos, eu e Ademir Assunção, organizar uma antologia-manifesto chamada “Lula Livre – Lula Livro”. Reunimos 90 autores e autoras de todo o Brasil. Você está lá com a gente, inclusive. Chico Buarque mandou texto inédito. Raduan Nassar mandou. Roberta Estrela D’Alva, Alice Ruiz. Gritamos por justiça. O prefácio do livro, inclusive, conta dessa narrativa mentirosa. Só agora se deram conta de que tudo foi um erro. Só agora ouviram o que todo mundo estava gritando… Um das maiores farsas jurídicas da história mundial. Com o livro, a gente deu a nossa contribuição no sentido de ter tentado acordar as pessoas. Que bom ter deixado isso em livro registrado: de que lado nós sempre estivemos.
Algum livro seu para ser publicado ainda este ano?
Pensei que viria um romance. Estou ainda mexendo nele… Infinitamente. Mas vem, sim, um livro de “ensaios” curtos. E estou muito ligado ao teatro. Fazendo dramaturgia para alguns atores e atrizes. Tenho curtido voltar a essa escrita teatral. Achei, adolescente, que eu seria um dramaturgo a vida inteira. Acho que voltei a esse sonho antigo. Estou fissurado nessa volta. Sou muito adaptado para o teatro. Amo teatro. É amor sem fim, viu?