Pelo seu olhar, percebi que a mãe não estava bem. E ao falar, de forma nervosa, tive a confirmação. Parecia confusa, tentando entender as coisas. Na realidade, a nota baixa do filho na redação do Enem. Como explicar desempenho tão fraco, menos de 400 pontos? Culpa dos pais não era, segundo ela, pois garantiam escola e material didático. Às vezes, até aulas particulares nas matérias “difíceis”. Sem falar de dinheiro pro lanche e carro pra levar e pegar. Em suma, o pimpolho tinha tudo do bom e melhor. E com tal pontuação, pelo visto, ele estaria fora da universidade. Um ano de atraso, disse tristonha. Puxando-me de lado, iniciou uma conversa bastante animadora.

– Tem jeito?
– Sim.
– Por onde começo?
– Botando o garoto pra ler.
– Ele detesta livro.
– Mas ninguém nasce gostando.
– Puxou ao pai.
– E a senhora?
– Nem lembro a última vez que peguei num livro.
– O exemplo não tem de começar em casa?
– Sim, mas falta tempo.
– Ou interesse?
– Também.
– A escola não cobra leitura?
– Foi o tempo, hoje mais não.
– Por quê?
– Dizem não ser cobrado no vestibular.
– Acabaram a lista de livros?
– Sim, faz anos.
– Uma pena!

Aqui reside, provavelmente, a grande lacuna da educação nacional: a ausência de hábito de leitura entre os nossos jovens. Pais e escola omissos em ferramenta tão importante para o aprendizado, incluindo a prática da escrita. Daí o lamentável resultado do último Enem quando, no total de 4,1 milhões de redações, somente 55 alunos obtiveram a nota máxima de mil pontos. Pior ainda, outros 112.559 candidatos tiveram a dissertação zerada. Motivos? Fuga ao tema, copiar o texto motivador e, pasme, entregar a folha em branco, sem rabiscar uma linha sequer. Inconformada, a mãe voltou a indagar.

– Ler o quê?
– Tudo, inclusive bula de remédio.
– Sério?
– Sim, além de pichação e frases de banheiro.
– Tá brincando!
– Sem falar de jornal, revista e quadrinhos.
– E livro?
– Principalmente, de todos os gêneros.
– Como assim?
– Romance, conto, crônica e peça teatral.
– Ainda bem que poesia não entrou.
– Por ser a mãe de todos, deixei por último.
– Mas nem adulto entende, imagine um adolescente.
– Talvez no começo, depois toma gosto.
– Ele diz que odeia o Machado, linguagem complicada.
– Nada disso, exemplo de vida e de boa escrita.
– Pode ser um autor moderno?
– Claro, sem problema?
– Alguma sugestão?
– Ignácio Loyola de Brandão, Clarice Lispector e Salgado Maranhão.

Além desse grave problema, da rapaziada sem ler, temos ainda livrarias e editoras fechando no Brasil. Parece até que desaprendemos a sábia lição nos deixada por Monteiro Lobato: “Um país se faz com homens e livros”. Mas o que esperar de uma nação que preferiu, na eleição de outubro passado, votar na liberação de armas a semear livros à mão cheia, levando o povo a pensar, como queria o poeta baiano Castro Alves? Enquanto expunha minhas preocupações, a mãe do jovem encerrava nossa conversa, assumindo parcela da culpa, de humilde maneira.

– Que mais, professor?
– Produzir uma redação por semana.
– Sobre o quê?
– Temas da atualidade.
– Quantas linhas?
– 30, no máximo.
– Ele quer fazer um curso de redação.
– Ótimo!
– Mais despesa pra gente.
– Veja como investimento no futuro do garoto.
– Alguma outra coisa?
– Escrever um diário.
– Qual o objetivo?
– Exercitar a escrita, não importando a quantidade de linhas.
– Entendi.
– Faça ditado pra ele.
– Ditado?
– Sim, recurso útil pra aprender ortografia.
– Terminou?
– Peça pra ele ler em voz alta.
– O quê?
– As palavras têm vida e sonoridade.
– Posso ir?
– Antes me prometa uma coisa.
– Diga.
– Voltem a ler também.
– Quem?
– Você e o seu esposo.
– Nessa altura do campeonato?
– Ler não importa idade nem tem contraindicações.
– Verdade.
– Não esqueça ainda…
– Estou ouvindo.
– Os filhos se espelham nos pais.
– Grata!
– Sempre à disposição.