Este início de junho tem maltrato, no bom sentido, meu pobre coração. Apesar das fortes emoções, ele tem resistido heroicamente. Explico: vivenciar o Salão do Livro do Piauí, em Teresina, e o Festival de Inverno, em Pedro II, não é pra qualquer um, ainda mais depois dos cinquenta anos. Sem falar que cultura desperta prazeres inusitados e mexe com sensações desconhecidas, sobretudo, ao focar o saudável hábito da leitura e a insustentável leveza do ser proporcionada pelas viagens musicais. E essas duas primeiras semanas, convenhamos, têm sido pródigas nesse sentido. Melhor de tudo, priorizando qualidade e acesso livre a todos, num sábio resgate da máxima oswaldiana: “A massa ainda comerá o biscoito fino que fabrico”.

Salipi 2017

 

Comecemos pelo Salipi, realizado entre os dias 2 e 11, na Universidade Federal do Piauí, no qual participei como mediador e ouvinte de conversas importantíssimas, a exemplo da feita por Marcelino Freire, escritor pernambucano dos bons, contista premiado no Jabuti, organizador da Balada Literária de São Paulo, que falou sobre “A poesia da prosa/A prosa da poesia”, ele que domina o assunto como ninguém na contemporânea literatura nacional, ministrando oficinas criativas Brasil afora, um declamador de textos de rara sensibilidade. Outro que veio e fez bonito foi Marcelo Rubens Paiva, pisando em solo piauiense pela primeira vez, autor do hoje clássico Feliz ano velho, que nos brindou com relatos dolorosos sobre a mãe Eunice, portadora de Alzheimer, o pai Rubens Paiva, deputado morto pela ditadura, e o filho Sebastião, nascido com os olhos azuis do avô, memórias reunidas em Ainda estou aqui, seu penúltimo livro. Marcaram também as instigantes falas de Nei Lopes sobre o eterno samba, das origens aos dias atuais, ele que é um dos estudiosos das culturas africanas; Edmilson Caminha, jornalista cearense de coração piauiense, que tratou do amor homoafetivo entre Amaro e Aleixo, romance centenário de Adolfo Caminha; Antonio Risério, intelectual baiano que, ao abordar facetas da práxis textual, acendeu polêmica no meio acadêmico; e, por último, Carlos Newton Júnior, amigo e pesquisador da obra de Ariano Suassuna, que nos levou a conhecer um pouco mais a respeito da travessia estética do autor de O auto da compadecida.

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Quanto ao Festival de Inverno, em Pedro II, foi a natureza que deu o tom, levando os presentes ao evento, notadamente os visitantes de fora, a experimentar sensações indescritíveis no tocante à hospitalidade e à beleza dos casarios da cidade, bem como ao clima de interior vivenciados no Museu da Roça e no Sítio Buritizinho, onde nesse último é possível saborear um beiju quente e matar saudade do alfenim, tomando, é claro, um gostoso caldo de cana, tudo feito na hora e sob a batuta de um autêntico forró tradicional. Não bastasse, ainda tivemos o paradisíaco Morro do Gritador, eterno convite a sermos pássaros, e um clima frio que nos remete à Suíça. Inspirado também noutro tom, em Antônio Carlos Brasileiro, nosso maestro genial Tom Jobim, fomos embalados por ritmos diversos e envolventes, desde o blue até o reggae, passando pelo samba ao rock’n’roll. E haja coração e garganta e pernas, com os sentidos a mil, para aguentar os espetaculares shows de Alceu Valença, Erasmo Carlos, Roberta Campos, Diogo Nogueira e Cidade Negra, sem falar ainda do som maneiro de Donny Nichilo Band, direto de Chicago, e Gustavo Andrade Blues Band, vindo das Minas Gerais. Entre os piauienses, fiquei maravilhado com as apresentações de Myriam Eduardo, Oitavo Resgate e  Teófilo Lima, que fizeram bonito e nos encheram de orgulho. Como arremate, num final pra lá de feliz, a louvável iniciativa em criar a Escola de Jazz de Pedro II.