Acordei no domingo com uma vontade danada de ouvir Jim Morrison, o vocalista da banda The Doors, falecido aos 27 anos em Paris, dentro de uma banheira. Poeta que encarnou, como nenhum outro, o verdadeiro espírito do rock and roll: amor, sexo e drogas. Saudade de sua voz gritada e da postura irreverente em palco. Sem falar também das letras que tocam fundo o coração da gente, nos arrastando pela mão em viagens indescritíveis e dolorosas. Pra sangrar de vez, nada melhor que abrir o belíssimo repertório do que When The Music’s Over, um de seus grandes sucessos, e relembrar versos premonitórios da triste partida em julho de 1971: “Antes que eu mergulhe/ No grande sono/ Eu quero ouvir/ Eu quero ouvir/ O grito da borboleta”. Bonito era ver que ele, o Jim, não cantava apenas com a voz, mas com a alma e o corpo inteiro – que levitava nos shows, dificultando, assim, o trabalho dos policiais que zelavam pelos bons costumes e a moralidade da família cristã estadunidense.
Talvez alguém cobre de mim, desses coxinhas que infelicitam o Brasil hoje em dia, minha ausência na passeata contra a corrupção e em defesa da Lava Jato. Respondo preferir mais a companhia de Jim Morrison – para quem a poesia tinha o papel de libertar as pessoas dos limites em que se encontram – a de cordeirinhos manipulados pela grande imprensa nacional. A segunda pedida veio com Riders On The Storm, na qual um lindo solo de guitarra nos faz sentir, realmente, que “nesse mundo fomos jogados como um cachorro sem osso, um ator atuando sozinho, viajantes na tempestade”. Saboreando uma taça de bom vinho, fiquei indagando aos meus botões que diria ele, o Jim, diante do surgimento de uma nova onda de fascismo tomando conta do mundo, incluindo o seu país, com a eleição desastrosa do Donald Trump.
Foi ainda jovem, aos 27 anos, mesma idade que levou Janis Joplin e Jimi Hendrix, que James Douglas Morrison, filho de George Stephen e Clara Clark, nascido em Melbourne, resolveu se encantar de vez, deixando uma legião de fãs pelo mundo. Sepultado no famoso cemitério do Père-Lachaise, em Paris, seu túmulo costuma ser bastante frequentado até hoje. Causa mortis: overdose de heroína? Indefinida, por não ter sido realizada a autópsia na época. Como poeta, não perdia a oportunidade de improvisar seus textos, em performances marcantes, enquanto a banda tocava. A terceira música que botei pra escutar foi Touch Me, uma linda canção que celebra o amor, provavelmente por Pamela Courson, sua companheira de estrada: “Eu vou te amar/ Até os céus pararem de chover/ Eu vou te amar/ Até as estrelas caírem do céu/ Por você e eu”.
Agora sei de onde nasceu o desejo de ouvir Jim Morrison, o polêmico vocalista do The Doors, preso várias vezes por atentado ao pudor, no domingo passado: não somente para fugir à demagogia da direita tupiniquim, mas relembrar o inesquecível musical visto em São Paulo, no Teatro Vivo, em sua homenagem. Ressuscitado no ator global Eriberto Leão, que o encarna poético e dramaticamente, Jim parece mais atual do que nunca, sobretudo, quando o rock nacional padece de criatividade e de uma voz catalisadora destes tempos inquietantes e sombrios. Ao todo, são 11 canções apresentadas durante o espetáculo, uma síntese de seu cancioneiro que espelha muito bem a contracultura dos anos 1960. Fora as já citadas, despontam também Light My Fire, Love Me Two Times, Wild Child, The Spy, You’re Lost The Little Girl, The End, Roadhouse Blues e a sensacional Break On Through. Em sua lápide, encontramos a sua filosofia de vida, que ele seguiu ao pé da letra: “Queime seu demônio interior”. Em cada amante do rock, de ontem e hoje, sobrevive um pouco de Jim Morrison.