Ela apareceu, como sempre, de mansinho. As pontadas na barriga, de forma aguda e com pequenos intervalos, eram inconfundíveis. Se nunca me enganara, com a dita cuja, imagine naquele instante na porta do Maracanãzinho. Quem mandou abusar da sorte tomando um misturado com pão e queijo, cedo da manhã, antes de partir a fim de enfrentar um simulado do Miguel Couto Bahiense. O cruzar de pernas e o suor inesperado sugeriam que eu procurasse um banheiro, sob o risco de passar vexame na frente de todo mundo. Para complicar tudo, os portões seriam abertos dali a meia hora somente, tarde demais para minha urgência intestinal. Orientado por amigos, cheguei ao posto de gasolina da esquina, cujo sanitário era imundo, mas onde renasci feliz com lágrimas escorrendo pelo rosto. Ainda bem que andava com lenço e meias, evitando assim um constrangimento maior. Nunca o Rio de Janeiro me pareceu tão bonito como naquela manhã de sábado.
Embora até hoje seja um tabu em nossa literatura, com raríssimos escritores enveredando por esse tema, a famosa diarreia não pode nem deve continuar num limbo eterno. Afinal, desde o surgimento dos modernistas, em 1922, todos os assuntos viraram motivos artísticos, incluindo os escatológicos. Há pouco houve na França, com grande cobertura da mídia, a Primeira EXPO-CU do planeta, sucesso absoluto de público e crítica, logo num país tido como referência cultural e de povo esteticamente exigente. Quando ela surgir, recomenda-se a todos que a levem, de preferência, na maior esportiva, sem aperreios nem sentimentos de culpa. Apenas sentar no trono, relaxar e cagar à vontade. No máximo, lembrar alguns sinônimos que a definem por aí: desarranjo, soltura, caganeira, destempero, disenteria, ligeirinha, chicotinho, dor de barriga, churrio e aguaceiro.
Nas relações sociais, a fininha é proibida também, quase ninguém querendo tocar no assunto. Fala-se de tudo, desde mobilidade urbana até Copa do Mundo, menos disso. Parece algo fora do cotidiano ou que repugna as pessoas. Em casa, costumamos recebê-la sem cerimônia, com prazer inclusive; fora, é que o bicho pega, como diria a rapaziada. Dona do seu nariz, ela surge quando e onde quer, pouco ligando para nossas conveniências. Ao dar as caras no centro da cidade, espaço sem banheiros públicos, leva-nos a acreditar que seja uma tremenda sádica, figura que sente prazer com o sofrimento alheio. Caso nos proporcionasse tempo de chegar à moradia, vá lá, mas, indiferente, cede poucos minutos para resolvermos drama da maior importância. Tirando sarro de quase tudo na vida, Paulo Leminski, poeta curitibano, rabiscou uns versinhos mais que sarcásticos: “Merda é veneno./ No entanto, não há nada/ que seja mais bonito/ que uma bela cagada.”
Preocupante é quando a fininha surge quando estamos dirigindo, as cólicas nos apontando um curtíssimo prazo para encontrarmos uma solução imediata, senão a coisa degringola de vez. Foi o que aconteceu comigo ao dirigir na Vila Operária, o raciocínio agindo rápido, frente às alternativas postas, indicando como única saída o aeroporto de Teresina, local próximo ao bairro em que me encontrava. Agora era torcer para que desse tempo e, mais importante, houvesse um sanitário desocupado. Bom é constatar que, nessas horas, o universo inteiro conspira a nosso favor. Além de uma privada livre e limpa, ainda fui brindado com um poema maroto: “Neste lugar solitário/ Toda vaidade se acaba/ Todo o cobarde faz força/ Todo o valente se caga/ Obrar é lei do mundo/ Cagar é lei do Universo/ E foi assim, cagando/ Que eu fiz este verso”.