Se hoje respiramos a deliciosa fragrância da liberdade, com os partidos legalizados e eleições livres em todos os níveis, devemos esse feito a luta tenaz da maioria do povo brasileiro. Mas a democracia, infelizmente, não tem sido a tônica da história do nosso país. Ao contrário, tem vigorado mais como exceção do que regra geral. Daí o cuidado redobrado que devemos ter com a criança que ajudamos parir, sobretudo, quando setores da direita pregam o retorno dos militares ao poder. Para tanto, é recomendável assistir a filmes, justamente nestes tempos sombrios, que retratem essa época marcada pelo arbítrio e a tortura. Até porque o cinema nacional faz, a rigor, aquilo que os governos FHC, Lula e Dilma – os três, vítimas da ditadura – não foram capazes de fazer: abrir os arquivos da repressão política, cicatriz difícil de sarar.

O primeiro recomendado é PRA FRENTE, BRASIL, do cineasta carioca Roberto Farias, lançado em 1982, que mostra o drama de um pacato trabalhador de classe média confundido com um perigoso subversivo, sendo vítima de torturas físicas e psicológicas imagináveis. O filme, ambientado na década de 1970, reflete o dualismo entre a euforia patriótica da copa do mundo e os maus tratos dispensados aos presos políticos. Com um grande elenco, tendo à frente Reginaldo Faria e Cláudio Marzo, o filme ganhou várias premiações: o Kiko de Melhor Filme no Festival de Gramado e o Prêmio Ofício Católico internacional no Festival de Berlim.

Outra indicação é O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?, filme de Bruno Barreto baseado em livro homônimo de Fernando Gabeira, que narra o sequestro do embaixador norte-americano (Charles Burke Elbrick) por grupos armados de oposição ao governo militar, soltando-o somente depois da libertação de vários presos políticos e da leitura e publicação de uma carta aos brasileiros. Lançado no final da década de 1990, tendo no elenco atores do porte de Fernanda Montenegro, Matheus Nachtergaele e Othon Bastos, recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1997.

LAMARCA é um registro imperdível daqueles tempos de chumbo, filme de Sérgio Resende que retrata a trajetória combativa de um dos mais destacados líderes da resistência armada no Brasil, capitão que deserta do exército para organizar a luta revolucionária. Encurralado no interior da Bahia, morre ao lado de José Campos Barreto, o Zequinha, amigo e companheiro das utopias socialistas. Dias antes, sem que tivesse tomado conhecimento, havia tombado, em Salvador, a paixão de sua vida: Iara, para quem escreveu belíssimas cartas de amor. O filme foi baseado na biografia Lamarca: o capitão da guerrilha, escrita em 1980 por Emiliano José e Oldack Miranda.

Em 2005, o assunto é retomado em CABRA CEGA, de Toni Venturi, thriller político que aborda a relação limite de Tiago e Rosa, dois jovens militantes da esquerda armada que, alojados em apartamento de um simpatizante da causa, acabam se envolvendo amorosamente, de maneira intensa e urgente, na iminência do cerco policial. Ele, comandante de um “grupo de ação”, ferido à bala em uma emboscada das forças de repressão; ela, filha de um operário comunista, a enfermeira encarregada de seu pronto restabelecimento físico. Filme contundente e de final inesperado.

Em ZUZU ANGEL, presenciamos a destemida luta da  grande estilista de moda, interpretada no filme por Patrícia Pillar, em busca  do filho Stuart Angel Jones, líder estudantil brutalmente assassinado em quartel da aeronáutica, no Rio de Janeiro.  Através dos desfiles que promovia, tanto no Brasil quanto no exterior, Zuzu fez questão de manifestar sua indignação diante da triste situação em que vivia o país, apresentando as roupas com motivos militares. Insatisfeitos com as denúncias, os militares trataram, segundo falam, de eliminá-la. Filme produzido para emocionar e guardar como reflexão.

Outros títulos que merecem ser vistos, fechando essa despretensiosa relação cinema/ditadura, são O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS, filme poético de Cao Hamburger, que relata o sufoco da época pelo olhar puro de um adolescente forçado a viver com o avô materno devido a fuga dos pais para não serem presos. BATISMO DE SANGUE , inspirado em livro homônimo de Frei Betto adaptado para a telona por Helvécio Ratton, cuja história resgata a participação dos dominicanos  na luta armada ajudando o grupo guerrilheiro de Carlos Marighella. Dos mais recentes, destacaria ainda BARRA 68, de Vladimir Carvalho; JANGO, de Sílvio Tendler; O DIA QUE DUROU 21 ANOS, de Camilo Tavares; ARAGUAYA – A CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO, de Ronaldo Duque; EM BUSCA DE IARA, de Flávio Frederico, sobre o cerco e morte da companheira de Lamarca; e, por fim, MARIGUELLA, filme dirigido por Wagner Moura e adaptado do livro de Mário Magalhães, a estrear nacionalmente no dia 20 de novembro deste ano, data comemorativa do Dia da Consciência Negra.