Sábado passado não foi um dia bom pra mim. Além de acordar gripado, sem ânimo pra nada, exceto dormir, recebi a triste notícia da morte de uma pessoa querida: Jorge Salomão, poeta baiano radicado no Rio desde 1969, que, depois de um infarto em fevereiro e três pontes de safena, resolveu se encantar em plena véspera do Dia Internacional da Mulher, no hospital Miguel Couto, aos 73 anos de idade. De imediato, lembrei alguns versos de Pseudo-blues, uma linda canção na voz de Marina Lima, com letra de autoria do filho de Jequié: “Dentro de cada um/ Tem mais mistérios do que pensa o outro/ Uma louca paixão avassala a alma o mais que pode/ O certo é incerto, o incerto é uma estrada reta/ De vez em quando acerto, depois tropeço no meio da linha”. Justamente quando ele, artista multifacetado, vivia uma das melhores fases da vida, com o lançamento da obra 7 em 1, coletânea de livros já publicados, e o álbum Poética, a ser lançado ainda este ano pelo Sesc-SP.
Nossa convivência, infelizmente, se resumiu a dois encontros. Um tantinho de nada em termos de quantidade, porém marcante do ponto de vista estético e afeto humano. O primeiro, em Teresina, setembro de 2016, na Casa da Cultura, reunindo escritores de várias gerações. O segundo ocorreu no Rio, em novembro de 2019, final do show da cantora piauiense Patrícia Mellodi, no Teatro Rival. Em ambos, a conversa girou em torno da cultura brasileira atual – seus desafios, conflitos e estratégias de resistência em tempos de ódio. Sempre com muito humor e boas gargalhadas, ele que era a inquietude e a irreverência por natureza, como podemos constatar ao dizer que em “todas as manhãs/ grito por viver/ clamo ao sol por mais justiça/ abro o leque da solidariedade/ todas as manhãs/ sou mais eu/ sendo mais justo/ em todas as medidas/ todas as manhãs/ danço minhas manhas/ abrindo as manhãs.”
Após o show da Patrícia, que nos deixou comovidos pro diabo, seguimos todos prum barzinho em Botafogo, onde fomos bebemorar a boa música, comer algo pra espantar a fome, tomar chopp gelado, jogar conversa fora e, barulhentos e felizes, celebrar a amizade que dá sentido a vida. Dos presentes, Jorge Salomão era, disparado, o mais alegre de todos, distribuindo simpatia indistintamente. Sua performance poética durante o espetáculo, em dobradinha com o talentoso Christovam de Chevalier, fora sensacional, sendo ovacionado pela plateia. Além de poeta, Jorge se destacou também como artista visual, diretor teatral e compositor, tendo sido parceiro de grandes nomes da MPB: Zizi Possi, Cássia Eller, Frejat, Marina Lima, Adriana Calcanhoto e Nico Rezende, entre outros.
Figura carismática, que seduzia os que atravessavam seu caminho, pouco importando convivência diária ou encontros fortuitos apenas, Jorge Dias Salomão estreou na literatura com Mosaical, em 1996, cujo título desnuda a velha polêmica entre poesia e letra de música. Depois vieram O olho do tempo, Campo da amerika, Sonoro, A estrada do pensamento, Conversa de mosquito e Alguns poemas e + alguns, sua última publicação de inéditos, reunindo poesias pra serem lidas em voz alta, como ele gostava tanto de fazer. Por iniciativa da Gryphus Editora, veio à tona ano passado o conjunto da obra num só volume, batizado por ele de 7 em 1, disponibilizando ao leitor um acervo de livros já esgotado nas livrarias. Para Caetano Veloso, seu conterrâneo era uma figura única, de quem gostava pelo humor e, sobretudo, pelo radical brilho em não se adequar a convenções. Salve, Jorge