Em 1985, eu estava lá, em Jacarepaguá, metido no meio daquele mundão de gente. Isso mesmo, na primeira edição do Rock in Rio, como espectador dessa bela página da nossa história musical. Umas 138 mil pessoas por noite. Tribos de tudo que era canto, de diversas partes do Brasil e de países vizinhos. Embora ainda não curtisse rock na época, preferindo a chamada MPB, resolvi conferir de perto toda aquela loucura, doideira das grandes. Nada mais interessante que participar de um megaevento inspirado em Woodstock, festival que revolucionou comportamentos e valores. Acompanhado do amigo João Fonteles, peguei o amarelão da Itapemirim e, depois de 48 horas mastigando sonhos, desembarquei na “Cidade Maravilhosa”, onde dois assuntos circulavam entre os cariocas: Rock in Rio e eleição de Tancredo Neves, via colégio eleitoral. Na transição para a democracia, a pedida era atacar de som estridente e guitarras dissonantes, espantando de vez o obscurantismo militar.
Foram dez dias ininterruptos de muita zueira. Precisamente de 11 a 20 de janeiro, numa área batizada de Cidade do Rock, zona Oeste do Rio. Durante esse período, 1,38 milhão de pessoas se encontrou para cantar e dançar, indiferentes a chuva e lama, os grandes sucessos de suas bandas e cantores preferidos. Pelo ineditismo, costuma ser apontado como o mais importante festival do gênero já realizado no Brasil. Quem imaginaria reunir, num único evento, quase 30 artistas, entre estrangeiros e nacionais. Sem falar de atrações de peso, a exemplo de Iron Maiden, Yes, Queen, Ozzy Osbourne, James Taylor, Rod Stewart, Rita Lee, Paralamas do Sucesso, Gilberto Gil, Lulu Santos e Barão Vermelho. Os shows começavam cedo e viravam a madrugada, com a rapaziada toda ligada, sem arredar pé e soltando a garganta com vontade, inclusive em inglês. Sabiam as letras das músicas de cor e salteado. Animação e festa, cá entre nós, são a cara do público brasileiro – do jovem ao coroa.
Diante de tribos estranhas, me senti meio deslocado no começo, um estranho no ninho. Mas quando percebi que ninguém estava nem aí pra nada, exceto curtir o som maneiro das bandas, acabei entrando também no clima de paz, amor e rock’n roll. Para meu espanto, lá pela metade da noite, não só passei a me sentir em casa como deixei o corpo levitar sob o ritmo frenético de tantos decibéis. O som tocado ali era realmente danado de bom, daqueles de ressuscitar até cadáver. Não havia como resistir ou ficar indiferente ao Yes, banda inglesa de forte presença em palco e batida das mais pesadas. Ou, então, não ser tocado pela voz rouca e áspera de Rod Stewart, cantor movido à paixão e amante de nosso futebol, que subiu ao palco coberto por uma bandeira do Brasil e chutando bolas para a plateia em êxtase. Foi há 34 anos, cujas lembranças guardo até hoje, fresquinhas na memória, num lugar especial do coração, revividas a cada edição do festival.
O Rock in Rio fez a minha cabeça. A partir daquele ano, mesmo sem abdicar da querida MPB, reservei um pedaço de minhas preferências a esse estilo musical, resgatando seus desbravadores (Chuck Berry, Little Richard, Jerry Lee Lewis e Elvis Presley) e acompanhando com interesse os grupos que levaram a peteca adiante (The Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, Nirvana, U2). Em 1991, quando da realização da 2ª edição do festival, embarquei minha filha caçula para curtir também esse envolvente ritmo surgido a partir da mistura de alguns gêneros musicais: folk, blue, country e jazz.
Quanto ao Rock in Rio 2019, que teve início sexta passada (27), infelizmente não pude ir, pelo menos fisicamente, pois do ponto de vista espiritual, ninguém duvide, estou inteiro por lá, vendo tudo pela TV. Claro que não é a mesma adrenalina, sei disso, mas serve como um tantinho de consolo, ainda mais deitado numa boa rede, ar-condicionado ligado e curtindo atrações maneiras: Foo Fighters, Whitesnake, Bon Jovi, Mano Brown & Bootsy Collins, Titãs e CPM 22 + Raimundos. Melhor é saber que essa festança do rock, que embriaga e entontece, continua a partir desta quinta feira, com shows imperdíveis das bandas Scorpions, Iron Maiden e Sepultura. Afinal, rock é como amor, pode até custar a chegar, mas ao bater no coração, não sai jamais.