Este mês de abril, com tantos feriados, não poderia ser melhor. Pelo menos, para mim. Acredito também que para o restante dos brasileiros, exceto os capitalistas que transformam a vida em mero cifrão. No período da Semana Santa, fomos conferir dois eventos religiosos da maior importância em nossa cristandade: a Procissão do Fogaréu, em Oeiras, e a Paixão de Cristo, em Floriano. Em ambos, experimentamos sensações fortes e inesquecíveis, reafirmando dentro da gente compromissos históricos com a justiça e a solidariedade humana. Quanto ao 21 de abril, em homenagem a Tiradentes, finalizamos a leitura da série Estações Havana, do escritor cubano Leonardo Padura, reunião de quatro romances policiais de tirar o fôlego do leitor que aprecia esse tipo de narrativa literária. Lembra dele, o autor de O homem que amava os cachorros, livro premiadíssimo sobre o covarde assassinato de Trótski por um pau-mandado de Stalin?

A tetralogia é protagonizada pelo detetive Mario Conde, policial cético e aprendiz de escritor, e ambientada em Havana de 1989, época de sufoco econômico e desilusão política. Interessante em suas histórias é que as tramas vão além do “quem matou quem”, ao apresentar um olhar crítico sobre as vicissitudes e contradições da ilha caribenha. Mas, acima de tudo, em desnudar o ser humano que emerge da revolução comunista, amante da cultura e capaz de atrocidades impensáveis. Não à toa, nosso “herói” viver contando os dias para largar esse submundo marcado ainda pelos valores burgueses – violência, ganância, trapaças, corrupção, torpezas, drogas e tráfico de influência. Enquanto a aposentadoria não chega, Conde se entrega a duas de suas grandes paixões: seduzir belas mulheres e beber com um grupo de amigos, embalado por músicas de jazz e o rock envolvente do Creedence Clearwater Revival.

 

No primeiro volume, intitulado Passado perfeito, encontramos nosso investigador batendo cabeça para desvendar o misterioso desaparecimento de Rafael Morín, executivo do Ministério da Indústria e ex-colega de escola, sujeito oportunista e movido por ambição exagerada que, ainda por cima, casa-se com Tamara, um de seus grandes amores. Além de desvendar o caso, Mario Conde não deixa escapar a oportunidade, mesmo contrariando as orientações do chefe, de resgatar essa antiga pendência amorosa. Em Ventos de quaresma, segundo volume, Conde é incumbido de esclarecer o assassinato de uma jovem professora de química, cuja trajetória profissional e política são irreparáveis. Para tanto, ele tem de retornar ao colégio onde estudara na adolescência, deparando-se com tráfico de drogas, venda de gabaritos das provas e sexo entre professores e alunos.

Nos dois últimos volumes da série, Máscaras e Paisagem de outono, vemos o investigador cubano queimando neurônios para elucidar crimes que chocam a população da cidade: o corpo de um travesti, vestido de vermelho e com moedas no ânus, é encontrado no Bosque de Havana, em plena Festa da Transfiguração do Senhor, comemorada pela Igreja Católica em 6 de agosto; e o cadáver de Miguel Forcade, ex-funcionário do governo responsável em desapropriar os bens da burguesia local, encontrado por pescadores na praia de Chivo em adiantado estado de decomposição e com marcas visíveis de espancamento. Esse icônico personagem e alter ego de Padura que detesta violência, o detetive Mario Conde, resolve tudo usando apenas a inteligência e sua quase infalível intuição.  Aos que não querem encarar quase 900 páginas de leitura, por falta de saco ou tempo, a sugestão é assistir a minissérie feita pela Netflix – Quatro Estações em Havana -, e lançada em dezembro passado, inspirada nesse policial de meia-idade, solteirão, boa pinta e romântico.