Eles saíram de casa ainda cedo, por volta das seis da manhã, vindos de vários bairros de nossa capital a fim de realizar um difícil sonho, mas não impossível: o ingresso no tão almejado ensino superior. Para muitos deles, tal façanha garantirá, pela primeira vez, um “doutor” no seio da família, independente do curso escolhido. Daí não reclamarem de nada, da precariedade dos ônibus aos domingos nem das distâncias até o Atlantic City, local das aulas do Pré-Enem Seduc, desde que assimilem os conteúdos repassados por mestres experientes nas labutas de vestibulares. Tampouco, deixemos claro, na jornada de cinco horas em pleno domingo, justo no dia em que o corpo reivindica mais tempo para dormir à vontade, depois da semana inteira metidos em suas escolas com uma maratona pesada de aulas.

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Mas valerá a pena tamanho esforço, relembrando os famosos versos do poeta lusitano? Sim, pois “tudo vale a pena / Se a alma não é pequena / Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor”. Bom saber que esses jovens, entre 17 e 19 anos, não somente conhecem como entendem o significado das sábias palavras de Fernando Pessoa, um dos grandes nomes da literatura em língua portuguesa. E mais importante, têm consciência do quanto a educação é fundamental em suas vidas, único caminho seguro e duradouro em termos de ascensão social, por isso não serem loucos de desperdiçar essas oportunidades, reforço escolar que, além de sanar determinadas lacunas, melhora a autoestima da estudantada. Combinando aprendizado e vontade, eles partem para o vestibular com a vitória na mão e o olhar esperançoso no futuro.

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Ao longo desses 14 anos de projeto, iniciado ainda no primeiro governo Wellington Dias, lá em 2003, tenho presenciado algumas histórias muito boas. Primeiro, o resgate do orgulho em estudar numa escola pública, fazendo questão de andar uniformizado e vivenciando todos os aspectos do modelo tempo integral, o dia passando longe das drogas tal o envolvimento com as atividades pedagógicas e culturais adotadas. Segundo, o destemor agora em encarar qualquer curso, inclusive os considerados inacessíveis aos pobres, obtendo aprovações em Medicina e Direito, coisa impensável em passado recente. Terceiro, o destaque nacional em algumas matérias, a exemplo da matemática, disciplina que alunos de Cocal dos Alves, orientados pelo mestre Antônio Amaral, conquistam medalhas de ouro em olimpíadas disputadíssimas com estudantes do país inteiro.

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O relógio marca uma da tarde, constato que eles, além de não demonstrarem cansaço, estão felicíssimos da vida, pois tiveram um domingo proveitoso, com aulas de matérias fundamentais e ministradas de forma descontraída por ótimos professores: Mauro Herbert (História), Silveira Júnior (Física), Nereyda Áurea (Linguagens), Rogifran Almeida (Redação) e Tércio Câmara (Biologia). Nos intervalos das aulas, aproveitei para sortear livros (“Oh! Bendito o que semeia/Livros à mão cheia/E manda o povo pensar!/O livro, caindo n’alma/É germe – que faz a palma/É chuva – que faz o mar!”); recitar versos de Torquato Neto, nosso eterno “Anjo torto”, que este ano será o autor homenageado na Balada Literária de São Paulo, em novembro (“eu sou como eu sou/pronome/pessoal intransferível/do homem que iniciei/na medida do impossível”); e, por último, lembrar do genial Cazuza que, morto em 1990, faria 59 anos em abril, convidando os alunos a cantarem alguns de seus inesquecíveis sucessos, tais como Exagerado, Maior abandonado, Ideologia e Codinome beija-flor. Afinal o tempo não para, como filosofou esse saudoso trovador carioca, “Mas se você achar/Que eu tô derrotado/Saiba que ainda estão rolando os dados/Porque o tempo, o tempo não para”.