Quando me perguntam se é interessante consumir a literatura erótica, respondo que não vejo problema nenhum. Desde que se leia, parafraseando Oswald de Andrade, com olhos livres. A cultura para ser bem digerida, aliás, costuma dispensar todas as formas de preconceito e moralismo. Sem falar, é óbvio, de qualquer pretexto que nos remeta à censura e ao patrulhamento artístico. Depois de certa idade, parece até brincadeira ou provocação uma instituição ou alguém determinar o que devemos ler ou não. Como pássaros, queremos voar longe, descobrindo novos horizontes e possibilidades infinitas. A maldade, como se sabe, existe somente na cabeça das pessoas, principalmente daquelas que abdicam do livre arbítrio e não acreditam na felicidade. Para quem ler bula de remédio, nada mais excitante do que correr os olhos por umas histórias mais envolventes e sedutoras. A maçã, desde sempre, despertou em nós um grande e saudável apetite.
Dos textos lidos, merece destaque o estupendo A Casa dos Budas Ditosos, do escritor João Ubaldo Ribeiro, relato sincero e provocante da vida sexual de uma mulher de 68 anos, que, dentre outras experiências vividas, confessa ter tido como melhor amante o próprio irmão, a quem amou secreta e desesperadamente. “O único que soube ser tudo”, segundo ela, “macho, puto, fêmea, descarado, sádico, masoquista, mentiroso, verdadeiro, lindo, feio, disposto, preguiçoso, lindo, lindo, lindo, lindo, meu irmão Rodolfo”. Adaptado para o teatro em forma de monólogo, a peça ainda hoje é encenada no país. O público que assiste ao espetáculo vai ao delírio com as estripulias da senhora devassa, interpretada nos palcos pela talentosa atriz Fernanda Torres. João Ubaldo conseguiu nessa obra, com a mesma verve de Gregório de Matos e Jorge Amado, outros dois autores baianos que abordaram também o erotismo, falar de sexo sem tabu nem preconceito. E o melhor, com bastante humor. Texto simplesmente imperdível. Quanto ao monólogo, tomara que chegue por aqui um dia.
Outro livro muito interessante, que tem arrebatado não só leitores italianos como do mundo afora, é Cem Escovadas Antes de Ir para a Cama, da jovem siciliana Melissa Panarello. Na obra, escrita em forma de diário, ela relata as suas precoces e surpreendentes experiências no campo sexual, quando era apenas uma pura adolescente entre 15 e 16 anos. Em sua busca desenfreada pelo verdadeiro amor, Melissa se doa integralmente aos homens em práticas nada convencionais, transitando do sexo em grupo ao sadomasoquismo. Daí sempre em casa, ao retornar dessas prazerosas e frustradas aventuras, escovar sucessivamente os belos cabelos antes de dormir, num sofrido ritual de purificação. A tão almejada cara metade surgiu quando menos ela esperava, através de um simples e comovido olhar: “Estou chorando, diário, chorando de tanta alegria. Eu sempre soube que a alegria e a felicidade existiam. Algo que busquei em tantas camas, em tantos homens, até numa mulher, que procurei em mim mesma e depois perdi por minha própria culpa. E no lugar mais anônimo e mais banal eu encontrei. E não em uma pessoa, mas no olhar de uma pessoa”. Adaptado recentemente para o cinema, a película ficou aquém do texto literário.
Mas foi uma respeitada crítica de arte francesa, Catherine Millet, que publicou uma das obras mais polêmicas nesse gênero, ao tornar público os detalhes de sua movimentada vida sexual, marcada pela quantidade inacreditável de relações físicas com homens e, eventualmente, mulheres. Nesse relato, apresentado com inédita crueza e sem qualquer máscara, ela expõe o sexo desvinculado de laços afetivos, como plena realização de uma necessidade instintiva da carne, ao escrever: “Contentava-me em descobrir que este desfalecimento voluptuoso, experimentado no contato com a inefável doçura de todos os lábios estranhos ou quando uma mão se colava em meu púbis, podia se renovar infinitamente, pois confirmava que o mundo estava cheio de homens dispostos a isto. O resto me era indiferente”. Livro extraordinário e bem escrito esse, A Vida Sexual de Catherine M., no qual uma intelectual não tem pudor de se assumir como libertina, encarando o amor físico com a mesma naturalidade com que respira.
Destacaria ainda, na impossibilidade de mencionar todos, mais outros dois: O Doce Veneno do Escorpião, o best-seller de Bruna Sufistinha, e Amor Natural, do nosso consagrado Carlos Drummond de Andrade. No primeiro, temos as confidências de uma garota de programa de classe média que, ao deixar o conforto do lar, acaba caindo na “vida”, praticando sexo em troca de dinheiro e droga. Obra que revela o submundo da prostituição nas grandes cidades e que, nas lacradas páginas pretas, desvenda as taras do homem brasileiro. O título poético é um irrecusável convite à leitura. Quanto ao segundo, livro que o poeta itabirano só permitiu fosse lançado após a morte, receio de ser taxado de velho sátiro ou pornógrafo, encontramos belos poemas eróticos que, em linguagem desnuda, abordam o sexo como manifestação sublime do amor, expressa logo no texto que inicia a obra: “Amor – pois que é palavra essencial / comece esta canção e toda a envolva. / Amor guie o meu verso, e enquanto o guia, / reúna alma e desejo, membro e vulva”.