Embora alguém duvide, finalmente consegui encontrar um candidato diferente de todos, que fala somente a verdade, nada mais que a verdade. Quer o eleitor goste ou não. Pra ele, chega das mentiras tão comuns no meio político. Que é preciso e urgente, mais do que nunca, inaugurar uma nova maneira de fazer política. De preferência, deixando as mentiras de lado e pautando a atuação única e exclusivamente pela verdade. Candidato a vereador em 2020, Sincero Demais está confiante em ser eleito, argumentando que as pessoas preferem ouvir a verdade, por mais dolorosa que seja, do que a  velha mentira de sempre. Num luxuoso escritório da zona Leste, ele resolveu expor, em conversa franca com este cronista, as ideias que norteiam sua vontade de ser um legítimo representante do povo teresinense.

Por que você quer ser vereador?
Além das razões habituais já conhecidas, de bem representar minha cidade e ser um soldado do partido, quero provar do gostinho do poder.  Afinal, também sou filho de Deus.

O que pretende fazer, caso eleito, com todo esse poder?
Primeiro, arrumar a minha família e os correligionários mais próximos. Em seguida, curtir o prazer de ser bajulado pelo prefeito e seus secretários. E por último, caso sobre tempo, pensarei nos problemas de Teresina.

Pelo visto, o senhor parece adepto do nepotismo.
Não tenho nada contra, muito pelo contrário. Essa prática, aliás, remonta a Pero Vaz de Caminha que, na carta de descobrimento do Brasil, solicita ao rei de Portugal emprego para um parente dele. Sem falar ainda do nosso presidente, que pretende emplacar o filho na embaixada dos Estados Unidos.

Mas essa prática, segundo a justiça, caracteriza crime repugnável.
Sendo assim, a faxina deveria começar por ela, uma vez que não existe nepotismo maior que no Judiciário brasileiro. Lá encontramos famílias inteiras empregadas e ninguém, incluindo a imprensa, não fala absolutamente nada.

Quanto custará, mal pergunte, a sua campanha eleitoral?
Oficialmente, uma merreca qualquer, cujo valor, com a devida prestação de contas, será apresentado ao TRE. Por fora, uma grana e tanto, coisa de milhão, que não sou besta de declarar tudo e ser acusado de abuso do poder econômico.

Quer dizer que o nobre candidato admite, publicamente, a existência de caixa-dois?
Quisera que fossem apenas dois, quando, na realidade, são inúmeros os caixas, boa parte deles fora, inclusive, de nosso controle. Mais grave é ter que vender, em situação extrema, a alma ao diabo. Mesmo tentando, você não a recupera nunca. Mas os fins justificam os meios, não é mesmo? Importante é ser eleito e, depois, invejado por todos.

O senhor não teme ser preso agindo assim e, depois, ter a eleição impugnada?
Ninguém faz omelete, meu caro, sem quebrar ovos. Se alguém quer abraçar a carreira política achando que tudo é limpo, não tendo que cair em poças de lama, que trate de procurar outra atividade. Sendo pego, o recomendável é ter dinheiro guardado e, claro, bons advogados à disposição – esses craques na arte de nos manter em liberdade e exercendo o mandato conquistado nas urnas.

Para ganhar a eleição, o senhor é capaz de fazer promessas mirabolantes?
Sim, porque compartilho da ideia que a vida não passa de uma grande e bela ilusão. Além do mais, verdade e mentira são duas coisas tão relativas que, dependendo da maestria de quem as utiliza, elas têm a mesma importância.

E comprar votos?
Compro sem remorso nenhum, pois do contrário não serei eleito. Ou faço como os demais candidatos, entro em campo e jogo, ou simplesmente estarei fora da disputa. Infelizmente, essa é a regra que predomina nas eleições. Sem falar que o eleitor, cada pleito mais sabido, quer dinheiro em troca do voto.

Quanto custa, por curiosidade, um voto?
Depende se o eleitor é da periferia ou da zona rural, instruído ou ignorante, embora todos hoje se igualem em esperteza. Mas o valor fica, em geral, entre 50 e 100 reais. Inflacionou bastante ultimamente em função da quantidade de partidos e candidatos.

Qual a sua ideologia no campo político: direita, esquerda ou centro?
A rigor, todas e nenhuma. Se formos observar, o eleitor não liga a mínima para o debate ideológico, votando por simpatia ou interesse. Prefiro adotar, nesse aspecto, a recomendação do saudoso Cazuza: “Ideologia, eu quero uma pra viver”.

Caso eleito, fará um mandato de oposição ou de apoio ao futuro prefeito?
Sempre de apoio, claro, do contrário como irei mamar nas gordas tetas do governo.

Quais suas propostas a fim de tornar nossa capital ainda melhor?
Mais bicicleta e menos carros nas ruas, instalação de chuveiros por todo canto da cidade, incentivo aos campeonatos de papagaio nos bairros, resgate do bumba meu boi do Piauí e, por último, transformar Teresina na capital do dindin e do picolé.

Já escolheu o slogan de sua campanha?
Sim, e modéstia à parte, ficou muito bom: “Compromisso com a verdade”.        

 Para finalizar, que mensagem o senhor deixa aos eleitores?
É chegada a hora de dar um basta nos candidatos que transformam a política na arte da mentira, enganando o povo com discursos bonitos e vazios. Que me deem essa oportunidade de representá-los na Câmara, de exercer minhas verdades com dignidade e, sobretudo, de continuar me dando bem na vida. E nunca esqueçam que “na verdade, vós sois a nossa glória e gozo”.