A despeito de outras formas de expressão amorosa, as cartas de amor sobrevivem heroicamente aos nossos dias, mesmo tachadas por alguns de “cafonice”. Ainda bem! Nada se compara, até hoje, à sensação de escrevê-las inspiradas em alguém. Quem as recebe também levita de prazer, inundado igualmente de alegria e emoção. Tanto um quanto o outro reconhecem a enorme felicidade que elas proporcionam, sobretudo, quando escritas com sinceridade e exagero, tocando fundo o coração da pessoa amada. Afinal, as cartas de amor, se há realmente amor, têm de ser ridículas, segundo defendia Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, num de seus poemas mais consagrados.

cartas de amor

 

Dentre as muitas já escritas, merecem destaque as de Mariana Alcoforado, freira portuguesa de 22 anos, revelando o amor que sentia por Chamilly, um militar francês: “Estou decidida a adorar-te durante toda a vida e não ter olhos para mais ninguém. E asseguro-te que também tu farás bem em não amar mais ninguém. Poderias, acaso, contentar-te com uma paixão menos ardente do que a minha?”. E num trecho adiante expressa a vontade de tornar público o seu sentimento proibido: “Quero que todos saibam, e disso não faço mistério, que estou encantada por ter feito por ti tudo quanto fiz contra toda a espécie de decoro. A minha religião e a minha honra, faço-as consistir unicamente em te amar loucamente por toda a minha vida, já que amar-te comecei!”.

Outras cartas de amor que tiveram repercussão foram as da revolucionária polonesa Rosa Luxemburgo (reunidas em Camarada e amante) endereçadas a Léo Jogiches, companheiro e grande amor de sua vida: “Meu querido, eu o entendo e sei o que lhe falta e o que, entre várias coisas, o enerva e farei todo o possível para que nossa casa seja aprazível e nossa, para acabar com essa desordem. Ainda assim, a desordem não justifica suas cenas; ao contrário, ela é causada apenas por você – quando estou sozinha, levo uma vida ordenada, mantenho tudo arrumado, penso em como embelezar a casa. E tudo isto porque você não está aqui para me irritar, enlouquecer e desnortear. Seja bom e eu arrumarei tudo em nossa casa o melhor que eu puder. Somente seja bom e me ame e então tudo ficará bem. Meu amor, escreva com frequência! Meu querido, meu muito querido, tenho tanto para lhe dizer. Até a vista”.

Já o polêmico escritor norte-americano Henry Miller escreveu lindas cartas a Anaïs Nin, francesa celebrada mundialmente pela lançamento de seus diários: “Não posso evitar. Eu a quero. Eu a amo. Você é comida e bebida para mim, toda a máquina de vida. Deitar sobre você é uma coisa, mas me aproximar de você é outra. Sinto-me unido a você, como se fôssemos um só, você é minha, quer isso seja reconhecido ou não. Todos os dias que espero, agora são tortura. Estou contando-os lenta e dolorosamente. Mas faça com que essa tortura seja o mais breve possível. Preciso de você. Deus, quero vê-la em Louveciennes, vê-la naquela luz dourada da janela, em seu vestido verde do Nilo e seu rosto pálido, uma palidez gelada como a da noite de concerto. Eu a amo como você é”.

Outro que não sentiu vergonha nem pudor em mostrar seu lado romântico foi Guimarães Rosa, autor de Grande sertão – veredas, que escreveu para Aracy de Carvalho, sua segunda mulher, palavras recheadas de amor e erotismo: “Antes e depois, beijar, longamente, a tua boquinha. Essa tua boca sensual e perversamente bonita, expressiva, quente, sabida, sabidíssima, suavíssima, ousada, ávida, requintada, ‘rafinierte’, gulosa, pecadora, especialista, perfumada, gostosa, tão gostosa como você toda inteira, meu anjo de Aracy bonita, muito minha, dona do meu coração”.

Até o capitão Lamarca, mesmo caçado pela ditadura, não deixou de expressar carinhos a Iara Iavelberg, a musa do guerrilheiro apaixonado: “Uma coisa é absoluta, inexorável – você é minha mulher – e isso é o que de mais lindo me aconteceu na vida. Se é antidialético crer no absoluto, no eterno, eis-me, nesse caso um antidialético ferrenho. Saudade imensa, muito amor; seu só teu”.

Mas como disse Álvaro de Campos – se é que isto vale de consolo para alguém -, somente a criatura que nunca escreveu cartas de amor é que deve ser chamada de ridícula. E não as outras, como nós, que jamais abandonaremos a bendita mania de eternizar histórias de amor, esse saudável estado de poesia.