Ao anoitecer da sexta-feira passada, mais precisamente às 7 horas, havia um livreiro, dono da Prado Monteiro, recitando trecho de Despedida, crônica do saudoso Rubem Braga, que tocou fundo minha alma, deixando-me comovido pro diabo: “E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado – sem glória nem humilhação.” O personagem era Alberto, interpretado por Antônio Fagundes, bibliófilo que, portador de uma doença terminal, deixa sua biblioteca para ir ao encontro de sua amada e inesquecível Cecília.

Os autores do folhetim televisivo, Rosane Svartman e Paulo Halm, foram felizes em trazer à tona, entre outros temas, o saudável hábito da leitura, ambientando a história, grande parte dela, na editora e na biblioteca de Alberto Prado Monteiro, ricaço rabugento e amante das letras. Num país de poucos leitores, a começar pelo atual presidente, pra quem um livro não passa de um amontoado de coisa escrita, a trama é mais que atual e necessária. Quem sabe vendo esses bons exemplos, os brasileiros resolvam, principalmente os jovens, adotar os livros como amigos inseparáveis – fontes de conhecimento, sabedoria e diversão. A continuar lendo 3 a 4 livros por ano, média nacional, não iremos a lugar nenhum. Nem mesmo a escrita de uma boa dissertação-argumentativa no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que este ano registrou a marca vergonhosa de 55 redações notas mil entre mais de 4 milhões de textos corrigidos.

Entre os vários capítulos, um mexeu comigo em especial: Alberto presenteia filhos, netos, amigos e funcionários, todos frequentadores da Prado Monteiro, com clássicos da literatura mundial e brasileira, cujos protagonistas são encarnados por eles: Peter Pan, de J. M. Barrie; Capitães da Areia, de Jorge Amado; Romeu e Julieta, de William Shakespeare; A Hora da Estrela, de Clarice Lispector; O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë; Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida; e, não podia faltar, Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, obra proibida em vários países na época de sua publicação (1774). E pra completar tamanha alegria, quem aparece no lançamento do primeiro livro da Alice, surpreendendo o público, é a famosa Conceição Evaristo que, diante do olhar maravilhado da adolescente, diz estar ali pra “valorizar a estreia de uma escritora tão jovem, negra e que vai continuar nossos caminhos”.

A novela foi sucesso de público e crítica por abordar, além do incentivo à leitura, questões sensíveis neste momento delicado da conjuntura brasileira atual, marcada por retrocessos e obscurantismo, tais como aborto, assédio, marginalidade, racismo, transfobia, tudo dito e desenhado, conforme os telespectadores desejam, de maneira leve e bem-humorada. Temas a serem debatidos, aliás, por todas as classes sociais e nos mais diversos espaços – escolas, livros, igrejas, famílias, praças, universidades, quadras, partidos políticos, sindicatos e associações. No final, Alberto retorna espiritualmente e pede a Paloma, personagem vivido por Grazi Massafera, que leia o trecho de A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água, de Jorge Amado, descrevendo a morte, com sorriso irônico e debochado, do “herói” malandro das quebradas de Salvador. Ao falecer no seu local preferido da casa, Seu Alberto talvez quisesse homenagear Jorge Luis Borges, que disse sabiamente: “Eu sempre imaginei que o paraíso seria um tipo de biblioteca”.