A história se deu, segundo me contaram, mais ou menos assim. Na aula de literatura, como era de praxe, o professor pediu que a aluna lesse um poema em voz alta. O objetivo era ilustrar o conteúdo dado em sala. Em estudo, As pombas, de Raimundo Correia, texto cuja estrofe inicial é a seguinte: “Vai-se a primeira pomba despertada… / Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas / De pombas vão-se dos pombais, apenas / Raia sanguínea e fresca a madrugada…”. Ocorreu que a garota, alegando que os rapazes iriam tirar sarro dela, se recusou a ler os versos do poeta maranhense. Pior ainda, nenhuma outra também quis ler, fato que deixou o mestre encabulado. Seriam capazes de ler qualquer poema, diziam convictas, menos As pombas, do escritor parnasiano. A razão de tal atitude das estudantes, que o professor só veio saber tempo depois, era simples e banal: pomba é um dos nomes populares atribuídos ao pênis. Logo, nenhuma jovem daquelas gostaria de ouvir dos colegas que ela era chegada à pomba de Raimundo Correia.

As pombas

 

Em certa ocasião, quando ministrava o mesmo assunto em colégio de Teresina, achei por bem relatar essa historinha aos meus alunos de pré-vestibular. Que não só caíram na gargalhada, como deram a sugestão de levantar ali, entre eles, os diversos nomes do órgão masculino. Minha estranheza se calou diante do estouro das palmas, indicando que a proposta havia sido aceita democraticamente por todos. Como em literatura tudo cabe, sobretudo, o imponderável, permiti que a bola rolasse. Apesar da zorra criada em sala, a lista até que foi substancial, inclusive tendo a valiosa colaboração feminina. Eis aqui a lista levantada na hora: rola, cabeçudo, pica, madeira, pau, roliço, cacete, pinto, bilau, caralho, vara, pirulito, pingolim, cabeça impiedosa, picolé de carne, manjuba, bráulio, mangote duro, anaconda, cabo USB, chibata, enterrador, zé varizes e vergalhão.

As coisas caminhavam para a normalidade, eu retomando os demais poetas da escola, quando de repente, lá do fundo da sala, aparece alguém com a ideia de se destacar também outros nomes dados à vagina, proposta aceita de imediato e, acredite, com barulhenta euforia. O rosário de apelidos, gritados com sofreguidão, não poderia ser mais sugestivo: buceta, xavasca, aranha, xoxota, priquito, tabaco, xana, preto, aveludada, cadeirudo, abracadabra, sangrina, bacalhau, xereca, túnel do amor, beiçudo, buraco negro, floresta, tatu, capô de fusca, perereca, brecheca, barata, baú da felicidade e xibiu. Este último termo, aliás, bastante utilizado por Jorge Amado em sua vasta obra. Dentre todos, um nome me chamou à atenção, a perseguida, que escutei em Decameron, adaptação da peça de Boccacio apresentada no Theatro 4 de Setembro.

Por incrível que pareça, o poema de Raimundo Correia não tem nada de sacanagem, embora alguns leitores insistam nessa tecla. No fundo, trata-se de um texto de caráter filosófico, no qual o autor faz uma singela analogia entre os voos das pombas, que retornam aos pombais à tardinha, e dos sonhos adolescentes, que não regressam jamais. A rapaziada, como se sabe, gosta mesmo é de zoar, principalmente quando a mulherada pega corda. Para dirimir quaisquer dúvidas, transcrevo a seguir o restante desse belíssimo soneto: “ E à tarde, quando a rígida nortada / Sopra, aos pombais de novo elas, serenas, / Ruflando as asas, sacudindo as penas, / Voltam todas em bando e em revoada… // Também dos corações onde abotoam, / Os sonhos, um por um, céleres voam, / Como voam as pombas dos pombais; // No azul da adolescência as asas soltam, / Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam, / E eles aos corações não voltam mais…”.