Quando se pensa que o absurdo chegou ao limite no Brasil de hoje, empestado de fascistas por todo canto, eis que surge, direto de Rondônia, um autêntico idiota: Suamy Lacerda, secretário estadual de Educação, que preparou lista, na surdina, de livros proibidos nas escolas públicas do estado. Entre eles, clássicos da literatura nacional e estrangeira – Macunaíma, de Mário de Andrade; Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; Os Sertões, de Euclides da Cunha; O Castelo, de Franz Kafka e Contos de Mistério, Terror e Morte, de Edgar Allan Poe. A justificativa era pior que o Index Librorum Prohibitorum apresentado: “conteúdos inadequados às crianças e adolescentes”. Sob pressão da sociedade e de suas entidades representativas, eles tiveram, os bichos escrotos que saíram do esgoto, de voltar atrás no descabido memorando.

Nestes tempos obscuros, o que mais assusta, além da estupidez e do analfabetismo funcional, é a exaltação da ignorância – “Nunca li um livro na vida e me orgulho disso”. Não bastasse o menosprezo às obras literárias”, eles ainda nutrem ódio aos seus amantes – leitores e escritores. Sem falar dos intelectuais de um modo geral, vistos como pessoas de alta periculosidade, quando não comunistas que ameaçam a sagrada propriedade privada. Num país que se ler tão pouco como o nosso, média de quatro livros por ano, mandar recolher 43 nas escolas é o cúmulo da insensatez: 19 de Rubem Fonseca, oito de Carlos Heitor Cony e três de Nelson Rodrigues, entre outros. Insatisfeitos, acharam de censurar também, independente do livro, um autor completo – Rubem Alves, psicanalista mineiro que trazia luz, em aulas e palestras, para a desafiadora educação brasileira.

Em que esses livros ameaçam, alguém deve perguntar, nossa indefesa juventude? Por acaso, será a irreverência comportamental de Macunaíma, o “herói sem caráter”, preguiçoso ao extremo, contumaz mentiroso,  esperto sem igual e, pouco ligando pra abstinência sexual da ministra Damares, insaciável no remelexo das ancas com as índias da Amazônia. Quem sabe, talvez, não sejam as desventuras de Brás Cubas, filho de papaizinho, cuja vida foi um tremendo fiasco como advogado, político, cientista e amante, exceto a alegria de “não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria” – síntese de seu pessimismo. Ou ainda, não quero acreditar, a saga de Antônio Conselheiro no sertão miserável da Bahia, arraial de Canudos, sendo morto pelas tropas do governo federal por defender uma vida digna para seu povo sofrido – “crime de nacionalidade”, assim batizado pelo autor carioca.

Parodiando a célebre frase de Monteiro Lobato, uma nação se desfaz com censura aos livros e seus escritores. Vai ao fundo do poço, inclusive, ao resolver queimá-los em praça pública, como fizera Getúlio Vargas na ditadura estadonovista de 1930/1945, quando foram incinerados 1,8 mil exemplares em Salvador. A obra mais perseguida na época, do autor baiano Jorge Amado, era Capitães da Areia, um dos maiores clássicos da literatura nacional. Na Alemanha nazista, queimavam-se livros quase diariamente, sob o aplauso entusiasmado dos simpatizantes de Hitler. Livros que são, bom deixar claro, sinônimos de conhecimento, sabedoria, racionalidade, viagens geográficas e históricas, aprendizado de linguagens e estilos, sem falar ainda de entretenimento pra lá de prazeroso. Mas o que esperar de um estado (RO) e de um país (BRA) governados por militares que preferem armas a livros?