Pelo tom choroso da prima, não tive dúvida, Irina havia morrido. De sua ligação, entre soluços e silêncios, captei somente palavras desconexas, criando algum sentido: curva, moto, velocidade, pescoço, São Benedito, perigosa, quebrado, igreja e, suplicando, pediu: “vem pra cá”. Embora a vontade fosse essa, de estar no velório da Irina, meu amor mais maior de grande, tracei roteiro diferente a fim de aplacar dor tão cruel: tomei o rumo, a pé, do nosso litoral, quem sabe não encontraria, assim, paz no coração e sossego na alma. Sem falar ainda, talvez, alguma explicação pro ocorrido. De qualquer forma, aproveitaria pra relembrar os momentos felizes vividos ao seu lado, embriagado de paixão. A começar pelo começo, quando nos conhecemos após assistir ao Último dos moicanos, bela história de amor entre Nathaniel Hawkeye (um “índio” branco) e Cora Munro (uma jovem inglesa), ela comovida, a Irina, por me ver chorando num banco do shopping, gesto pouco comum nos homens. Durante a carona, que aceitei de bom grado, vi que era uma mulher especial, sensível. Mesmo embirado a outra, não resisti aos seus encantos e, sem pestanejar, saltei no precipício escuro, nem aí pras consequências. Em pouco tempo, larguei tudo, já flechado por cupido, e fui tratar de regar nosso amor, plantinha que exige cuidado redobrado, do contrário murcha e vai brotar noutros jardins. Arriado os quatro pneus, relevava seu noivado com famoso advogado e, tampouco, o caso homoafetivo com Isaura, a prima lindíssima que anunciara sua partida. Inteira quando estivesse comigo, um tantinho de tempo qualquer, era o que importava. Daí em diante, minha vida ganhou sentido e mergulhou em sentimentos desconhecidos. Irina era intensa e sabia agasalhar como ninguém, doando-se integralmente. Quando menos esperava, chegava ela com sorriso franco e olhar enigmático, difícil de resistir tamanho poder de sedução. Dentro do quarto, nossos corpos transcendiam o plano físico e experimentavam, como disse certo escritor, a insustentável leveza do ser. Pena ter durado tão pouco, menos de dois anos. A paixão pela velocidade, pilotando moto de 500 cilindradas, acabou o que era doce, deixando um vazio sem fim, difícil de cicatrizar. Na cabeça a martelar, somente o telefonema de Isaura, agora compreensível, que me fez cair do trapézio – Irina morreu na curva perigosa da igreja São Benedito, o pescoço quebrado, ao perder o controle da moto por excesso de velocidade. Tentando aplacar o sofrimento, plantei uma flor, homenagem singela e do coração, no tronco da árvore onde Irina bateu a cabeça e, aos 26 anos, se encantou de vez. Talvez ela fique feliz em saber que Isaura e eu, depois de algumas tentativas, estamos grávidos de uma menininha e que, de comum acordo, será batizada com o nome mais bonito de todos: Irina.