Por Wellington Soares, professor e escritor

 

 

Antes do poeta, conheci o professor que encantava os alunos com suas aulas de literatura. Não aulas comuns, decorebas, mas envolventes e cheias de humor. Daqueles que assimilaram direitinho, tão poucos hoje em dia, a sábia lição de Guimarães Rosa: “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. Maravilha é saber que Adriano Lobão Aragão, lotado agora no IFPI de Cocal, interior do Piauí, ainda continua no batente da sala de aula com a mesma paixão. Ele recitando versos de Gregório de Matos e Castro Alves, sendo acompanhado pelos alunos, é algo de marcar em definitivo nossas retinas tão fatigadas.

Foi ao ler um livro de H. Dobal, puro estranhamento, que sentiu o chamado pra se enamorar da poesia. Relação essa que mudou sua vida e que, a depender dele, vai perdurar eternamente. O livro em questão era O tempo consequente, lançado em 1966, do poeta teresinense consagrado dentro e fora do Piauí. Antes havia sido tocado, como quase todo brasileiro, pelos versos simples de Manuel Bandeira, para quem escrever é volúpia ardente, tristeza esparsa e remorso vão.

Somente depois fui conhecer sua obra, composta de poesia e ficção, com temas variados e linguagem bem cuidada, que desperta o interesse na gente a partir dos títulos. Entrega a própria lança na rude batalha em que morra, Os intrépidos andarilhos e outras margens e Destinerário, pra ficarmos em três apenas, são exemplos ilustrativos disso. Difícil é sair impune, acredite, desse impactante contato com seus textos.

Não bastasse, ainda se entrega à publicação da Desenredos, uma revista digital de cultura e literatura surgida em 2009, com foco em trabalhos artísticos e acadêmicos. Outro de seus entusiasmos é pelo desenho, arte que pratica com esmero e frequência, ilustrando capas e textos dos próprios livros. Quanto ao futebol, paixão também das grandes, é torcedor aguerrido do Flamengo e zagueiro do Ferrugem Futebol Clube, time formado por amigos das antigas.

Com a palavra agora, Adriano Lobão Aragão: professor excepcional, escritor múltiplo (poeta, contista e romancista), desenhista talentoso, torcedor rubro-negro, zagueiro dos bons e, acima de tudo, um ser humano fora de série.

 

Há quem diga que pra escrever o autor precisa estar com um certo estado de espírito. Você concorda?

Para ser bem franco, nunca penso sobre isso. Apenas escrevo e reescrevo continuamente. De qualquer forma, escrevo muito mais do que publico, e raramente publico a primeira versão de um texto. Quase todos são resultado de diversas reescritas feitas em momentos distintos. Então, pelo menos para mim, se há um estado de espírito, eu o chamo de trabalho, leitura e releitura.

Quais escritores e obras são importantes na sua construção literária?

Na adolescência, as histórias em quadrinhos de Frank Miller e os romances de Machado de Assis foram as primeiras a me instigar a tentar produzir alguma coisa. Manuel Bandeira foi fundamental para direcionar meu interesse para a poesia. Pouco depois de publicar meu primeiro livro, Uns Poemas, em 1999, lia constantemente João Cabral de Melo Neto, H. Dobal, T.S. Eliot, Rainer Maria Rilke e a tradução da Ilíada feita pelo Carlos Alberto Nunes. Creio que eles passaram a ser minhas influências mais recorrentes desde então. No âmbito da prosa, cito Italo Calvino (Se um viajante numa noite de inverno), Jorge Luis Borges (Ficções) e Gabriel García Márquez (Cem anos de solidão) como indispensáveis para minha formação.

Embora escreva prosa, seu nome está mais ligado à poesia. Por que essa preferência pelo gênero lírico?

Não faço ideia. Cronologicamente, meu primeiro impulso foi o de me dedicar a desenhar histórias em quadrinhos. Depois, escrever romances. A preferência pela poesia só surgiu depois, mas acabou se tornando minha atividade artística predominante. No entanto, não penso muito sobre isso. Apenas vou fazendo o que instiga meu interesse expressivo em cada momento, independente do gênero.

Fala-se sempre que os estudantes brasileiros, em todos os níveis, estão lendo pouco ou quase nada. Como professor de literatura, você tem essa mesma impressão?

Penso que não apenas os estudantes. Isso é muito relativo e complexo. Sempre convivi com alunos desinteressados por leitura e com alunos ávidos por leitura. Almejo estimular os primeiros passos dos mais desinteressados e ampliar os horizontes dos mais ávidos. Numa sociedade tão desigual, tão injusta e iletrada, tento dedicar a eles o que de melhor eu possa oferecer nesse sentido.

Entre seus livros, qual o da sua preferência e qual teve melhor acolhida do público?

Destinerário, que reúne poemas sobre cidades, foi o que mais gostei de fazer. Para escrever os poemas que compõem o livro, estive em mais de 70 cidades espalhadas pelo Piauí, Ceará e alguns outros estados. E isso foi uma experiência muito instigante. E, felizmente, foi bem acolhido. Além do Destinerário, creio que o romance Os intrépidos andarilhos e outras margens e o livro de poemas As cinzas as palavras foram meus livros que melhor circularam.

Além de livros impressos, você e alguns amigos publicam uma revista virtual. Do que trata a Desenredos?

Comecei a publicar a revista eletrônica Desenredos, juntamente com Wanderson Lima, a partir de 2009, publicando poemas, contos, traduções, resenhas, ensaios, artigos acadêmicos. E esse trabalho continua até hoje, tendo como editores eu e Assunção Leal. A missão continua a mesma, estimular a criação artística e promover o debate de temas vinculados, direta ou indiretamente, à literatura. Sendo assim, a Desenredos não se propõe a ser uma revista literária stricto sensu, mas um espaço que, tomando a literatura como epicentro das Humanidades, esteja atento aos movimentos da Cultura.

O ministro da Economia do atual governo, Paulo Guedes, defende a taxação de livros sob o argumento de ser consumido somente pelos ricos. Que acha dessa proposta e de sua fundamentação?

Mais um atentado contra a educação, a cultura e a ciência. A fundamentação é, obviamente, tornar o livro ainda mais inacessível. De um desgoverno que menospreza a educação, a cultura, a ciência, o amparo social, o meio ambiente, os direitos trabalhistas, a liberdade sexual, e que busca continuamente promover o preconceito, a violência e a segregação social, não é possível esperar nada de proveitoso.

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