Nos dias que antecederam a entrada de 2017, revi pela enésima vez, não sei por que cargas d’água, um filme que sempre desperta exageradas emoções em mim: O carteiro e o poeta, uma coprodução ítalo-francesa com direção de Michael Radford, tendo no elenco os extraordinários atores Massimo Troisi, que encarna o simplório carteiro Mario Ruoppolo, e Philippe Noiret, que personifica o consagrado Pablo Neruda, vivendo em exílio na Itália. Falando sobre a magia das palavras nas conquistas amorosas, a película narra o drama vivido por Mario, um tímido e humilde filho de pescador que é tomado de paixão por Beatrice Russo, a filha da estalajadeira de uma remota ilha do Mediterrâneo. Sem noção do que fazer, o coitado resolve abrir o coração e pedir ajuda ao poeta chileno, de quem havia se tornado amigo por conta da entrega diária de sua correspondência. Além do fato de ele ser um profundo conhecedor da alma feminina, tendo conquistado várias mulheres ao longo da vida, muitas delas através de seus belos poemas líricos: o-carteiro-e-o-poeta

        “- Dom Pablo – declarou solene. – Estou apaixonado.

          – Bom – replicou -, não é tão grave. Isso tem remédio.

          – Remédio? Dom Pablo, se isso tem remédio eu só quero estar doente.  Estou apaixonado, perdidamente apaixonado.”

        Mas confessa que, diante da amada, fica completamente sem ação, um autêntico abobalhado incapaz de manifestar qualquer coisa. Mudo e tomado por total paralisia, permanece apenas parado e admirando Beatrice, sem conseguir expressar nadinha de nada. Sequer uma única palavra, embora um oceano de sentimentos inunde seu descompassado coração. Agora implora ao poeta que troque, dali em diante, a gorjeta habitual por algo mais importante para ele:

        “- Se não fosse muito incômodo, eu gostaria que, em vez de me dar dinheiro, escrevesse uma poesia para ela.

        – Mas eu nem sequer a conheço – disse Neruda. – Um poeta precisa conhecer uma pessoa para se inspirar. Não pode chegar e inventar alguma coisa do nada.

        – Olhe, poeta – provoca o carteiro -, se o senhor cria tantos problemas por causa de um simples poema, nunca vai ganhar o Prêmio Nobel de literatura.”

        Comovido com o aperreio do amigo, Neruda resolve dar uma mãozinha. Primeiro, presenteando-lhe com algumas de suas obras poéticas, recomendando que as lesse com atenção. Depois, indo conhecer pessoalmente a tão elogiada Beatrice, moça realmente encantadora, que andava tirando o sossego e a paz do seu carteiro. Apesar de não ter escrito o solicitado texto, o poeta lhe ensina o segredo das metáforas na sedução amorosa:

        “- Como é, Dom Pablo?!

        – Metáforas, homem!

        – Que são essas coisas? – indaga o carteiro.

        – Para esclarecer mais ou menos de maneira imprecisa, são modos de dizer uma coisa comparando com outra.

        – Me dê um exemplo…

        – Bem, quando você diz que o céu está chorando, o que é que você quer dizer com isto?

        – Ora, fácil! Que está chovendo, ué! – responde o eufórico homem do povo.

        – Bem, isso é uma metáfora.neruda-e-o-carteiro

        Aprendida a fácil lição, Mario não perde tempo e elabora uma série delas, todas inspiradas na idolatrada Beatrice, particularmente em seu atraente sorriso, que ele define como “uma repentina onda de prata, uma lança que se consome, uma água que estala, enfim, uma borboleta esvoaçante”. A mãe da moça, senhora de certa idade e bastante experiente no assunto, foi taxativa ao ver a filha levitando com as tais metáforas.

        – Filhinha, não me conte mais. Estamos diante de um caso muito perigoso. Todos os homens que primeiro tocam com a palavra, depois chegam mais longe com as mãos.

        O filme é uma bela adaptação do livro de Antonio Skármeta, consagrado escritor chileno e ganhador de inúmeros prêmios literários mundo afora. Logo, uma excelente pedida para início de ano novo.