Hoje quero tratar de um assunto que, em geral, incomoda a todos indistintamente. Tanto seus atores como suas vítimas também. Só em pronunciar o seu nome, além de esboçarmos cara feia, um calafrio já percorre nosso corpo da cabeça aos pés. Estou me referindo à inveja, o mais escabroso dos sete pecados capitais. E se duvidarem, o pior deles, vez que sempre negado, embora intrínseco à natureza humana. Aqui abro parêntese para relembrar Nelson Rodrigues, que costumava dizer: “Há coisas que o sujeito não confessa nem ao padre, nem ao psicanalista, nem ao médium depois de morto”. Certamente a inveja seria, na visão do nosso maior teatrólogo, uma delas. Basta observar que já vimos pessoas se confessarem avarentas e gulosas, mas dificilmente invejosas, mesmo sendo perceptível no seu comportamento, e também na expressão facial.

Mas, afinal, o que é esse sentimento dissimulado e universal? Que todos afirmam conhecer, mas negam praticá-lo. Que tem como símbolo a serpente e remonta a personagens bíblicas, a exemplo de Lúcifer, Caim / Abel e Esaú / Jacó. Grosso modo, “consiste em sofrer com o sucesso dos outros”. Isto é, pecado que leva alguém a ser triste por contemplar a felicidade alheia. Frente a ela, os demais pecados parecem até menores, insignificantes. Pode-se controlar a cobiça, acalmar a ira. Talvez, sublimar a luxúria, saciar a gula. O orgulho e a preguiça são perfeitamente reversíveis. Com a inveja, não há meio-termo, sua índole é inesgotável, o eterno descontentamento consigo mesmo. Quem melhor a define são os caminhoneiros, esses criativos poetas das estradas: “A inveja é uma merda”.

Não esqueçamos que sua imagem aparece, ao longo dos tempos, como algo condenável, merecedora dos piores adjetivos: sub-reptícia, insaciável, traiçoeira, duradoura, caprichosa, incontrolável, sorrateira, calculista e cumulativa. Seu conceito junto às pessoas deixa muito a desejar, como podemos conferir nas seguintes citações:

                                                    “A inveja habita no fundo de um vale onde jamais se vê o sol.” (Ovídio)

                                                    “O invejoso chora mais o bem alheio que o próprio dano.” (Quevedo)

                                                    “Não há ódio mais implacável que o da inveja.” (Schopenhauer)

                                                    “… a inveja destrói como câncer.” (Bíblia, Provérbio 14:30)

                                                    “A inveja não goza de boa reputação.” (Renato Mezan)

                                                    “A emulação é a paixão das almas nobres; a inveja, o suplício das almas vis.”(Jean François Marmontel)

                                                    “A inveja não ama.” (Joseph H. Berke)

Resolvi escrever sobre inveja, motivado pela leitura de Mal secreto, livro do experiente jornalista Zuenir Ventura, que trata justamente desse assunto tão polêmico. O texto faz parte da coleção Plenos Pecados, da editora Objetiva, que contempla sete títulos produzidos por autores diferentes, cada um deles abordando um vício capital. O mau-olhado, como sabemos, está na própria constituição etimológica da palavra inveja, originando-se do termo latim invidere, que significa olhar enviesado, de soslaio. Aliás, a Igreja atribui ao mau-olhado, conhecido também como olho gordo e olho grande, como sendo uma das artimanhas do Demônio para “infectar com o mal” a quem ele vê. A recompensa pela leitura dessa instigante obra veio, entre outros motivos, com a precisa distinção que o escritor faz dos três sentimentos a seguir: “Ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é não querer que o outro tenha.”