Luiz Alberto Mendes
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Raiz da Violência

Tenho acompanhado essa superexposição da violência que vem ocorrendo. Fico pensando sobre o que será que está acontecendo. Parece que explodiu uma incontrolável onda de agressividade, como que nascida do ar que respiramos. Do nada. Penso nas pessoas que são assassinadas e massacradas todos os dias. Imagino que isso não é uma onda apenas, qual uma epidemia que vem ao sabor dos ventos. Qual o valor de uma vida? As chacinas já quase nem aparecem nos noticiários; só quando são de dezenas de pessoas. Os corvos, que vivem de comentar desgraças alheias, não dão mais importância. Somente o que soma pontos de audiência importa.

Eu fico pensando qual é o processo de criação de toda essa violência. Será que existe mesmo um processo, uma criação? De certo, a que reflete minimamente, salta aos olhos que isso tudo não nasce de uma geração espontânea. Não aparece assim da noite para o dia. Embora os meios de comunicação esforcem-se por demonstrar que, mesmo combatida com todos os meios legais, a violência prolifera qual erva daninha, alimentada por si mesma.

A escola antropológica italiana, cujo maior expoente é Cesare Lombroso, atribui ao indivíduo e a seus ancestrais a culpa do comportamento violento. Procuram demonstrar, exaustivamente, que a violência se desenvolve por si mesma e possui um poder de autocriação que supera qualquer possibilidade de contê-la. Os meios de comunicação parecem aderir a tal visão sociológica. Sob esse ponto de vista, quem pratica a violência é desumano, naturalmente perverso, mau e encontra prazer no que faz. Um psicopata que não ama ninguém e só pensa em si. Alguém à margem da sociedade dos humanos, quase uma ave de rapina. Como tal, deve ser excluído ou separado para sempre do convívio humano. Uma visão, sem dúvida, bastante simplista e destituída de bases científicas.

Já a escola sociológica francesa considera a violência não mais como um fenômeno individual. Observa como uma ocorrência coletiva e global. Nos faz a todos responsáveis pela violência existente. Quetelet é seu representante mais divulgado. Os especialistas indicam que o perfil social dos que violam a lei não difere do perfil social da população mais empobrecida. Criminologistas modernos como Abreu, Bordini, Brant e Adorno, esforçam-se por demonstrar que a crença de que o homem violento possui uma natureza anti-humana não se sustenta em qualquer pesquisa ou estudo.

Cientistas sociais, como Max Weber, afirmam que a razão dos pequenos criminosos esta diretamente relacionada com a dos grandes criminosos protegidos pela impunidade que lhes proporciona a sociedade por eles controlada. Apropriam-se do produto de toda sociedade e exercem eficiente vigilância e repressão sobre os expropriados. O Estado, tal como é manipulado pelo poder econômico, é o protetor dos grandes criminosos e gerador da criminalização geral. O Estado não consegue resolver o problema da violência porque é o seu criador e mantenedor imediato.

São gerados fatores criminógenos na sociedade que promove a criminalização e a violência na população mais desfavorecida. E tais fatores ficam evidentes na deficiência das políticas de distribuição de renda; na vergonhosa administração das verbas públicas; na falta de lazer para os jovens nas periferias das grandes capitais; na falência do sistema de saúde para a população; na escola que apenas ensina o básico mas não educa a criança para a cidadania. A segurança e a lei dirigidas para proteger quem tem de quem não tem; a propriedade privada das terras produtivas em mãos de uns poucos latifundiários, etc.

As instituições sociais, cujo dever seria combater e eliminar fatores tão nocivos à existência humana, estigmatizam as vítimas colocando-as como potencialmente criminosas. O favelado, o desempregado, o homossexual, o negro, o nordestino, o egresso das prisões, etc. Quem duvida, esteja presente a uma batida policial a uma favela ou a bairros dos extremos das grandes capitais.

Quem são os maiores responsáveis pela produção de drogas? Só não percebe quem não quer pensar. Sim, porque a droga não é produzida em quilos por manufaturas de fundo de quintal. Exige grandes extensões de terras férteis, adubos, tratadores e colheita. Depois tem a parte do laboratório, que não lida com pouca mercadoria, pois é antieconômico. Em seguida vem a embalagem, transporte e a distribuição.

Quem banca tudo isso? O laranja da esquina com seus papeis batizados? São grandes financistas e especuladores financeiros que movimentam tais mercados. E não o fariam, caso não tivessem certeza de impunidade. Julgam-se inatingíveis. São cidadãos eminentes, com reputação social.

As prisões estão lotadas de microtraficantes que promoveram a riqueza desses grandes criminosos. Essa jamais foi a solução. Políticos clamam por sentenças de prisão perpétua e penas altíssimas. Governadores buscam encher as ruas de policiais, como se isso resolvesse o problema da violência social. Os partidos rivais ao governo aproveitam-se da ocasião para se promoverem em cima da fragilidade governamental. Dizem absurdos em busca de convencerem a opinião pública de que eles são melhores e resolveriam a questão com medidas de força e coragem.

Os donos reais do poder, os votantes, são os únicos que podem fazer alguma coisa. Mas são tantas idas e vindas, tantos prós e contras, em quem confiar, em quem votar? Não sei. Apenas acredito que penalizar a vítima jamais será a solução. É obvio que é preciso policiar e punir. Mas também é preciso um trabalho sério de urbanização e educação junto ao pessoal da periferia e subúrbios. Principalmente investir pesado na juventude do país. No fundo, é preciso muito amor ao Brasil e principalmente aos brasileiros.

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Luiz Mendes

30/08/2015

 

Vinicius por inteiro

Vinicius

Você pode não acreditar, tudo bem, mas conversei com o Vinicius de Moraes esta semana. Em minha sesta do meio-dia, o encontrava tomando umas doses de uísque no Garota de Ipanema, no Rio. Com humor e a sinceridade de sempre, ele pintou um autorretrato de si mesmo, através do qual passei a conhecê-lo melhor. Além, é claro, de admirá-lo ainda mais. Sonho ou delírio meu, pouco importa. Interessa mesmo é conhecer o “Poeta da Paixão” na intimidade, sem os holofotes da fama que tolhiam sua liberdade.

Por que Vinicius?

– O Quo Vadis, saído em 13, ano em que nasci.

Vem de onde o sobrenome Moraes?

– De Pernambuco, Alagoas e Bahia (que guardo em mim).

Local de nascimento?

– Sou carioca da Gávea, bairro amado, de onde nunca deveria ter saído.

Altura?

– Um metro e setenta, meão, pois.

Colarinho?

– Trinta e nove e o pé quarenta.

Peso?

– Uns bons setenta e três (precisam ser reduzidos…).

Estado civil?

– Fui, sou e serei casado.

Quantos casamentos ao todo?

– Nove.

Lembra do nome de todas elas?

– Beatriz, Regina, Lila, Maria Lúcia, Nelita, Cristina, Gesse, Marta e Gilda.

Avaliação como marido?

– Apesar do que se diz, não me acho tão mau marido.

Filhos?

– Cinco, quatro mulheres e um homem.

Profissão?

– Dizem-me poeta; diplomata eu o sou, e por concurso.

Mais alguma outra?

– Jornalista por prazer, nisso tenho um grande orgulho. Em breve serei cineasta (Ativo).

Religião?

– Sou materialista.

Curso superior?

– Formei-me em Direito, mas sem nunca ter feito prática.

Seria o quê, caso voltasse atrás?

– Gostaria de ser médico, pois sou um médico nato.

E a infância?

– Pobre mas linda, tão linda que mesmo longe continua em mim ainda.

Prefere vitrola ou rádio?

– Vitrola.

Automóvel ou trem?

– Automóvel.

Trem ou navio?

– Trem.

Navio ou avião?

– Navio.

Frutas prediletas?

– Caju, manga e abacaxi.

Quem o levou à poesia?

– Foi com meu pai, Clodoaldo de Moraes, que aprendi a fazer versos.

Chegou a furtar algum poema dele?

– Sim, para dar à namorada.

Com que idade publicou seu primeiro livro?

– Tinha dezenove anos quando lancei O Caminho para a distância.

De qual gosta mais?

– Meu preferido é Poemas, sonetos e baladas.

Toca algum instrumento?

– Violão, de ouvido.

Gênero musical?

– Faço sambas de bossa.

Luta marcial?

– Garoto, lutei jiu-jitsu razoavelmente.

Outra prática esportiva?

– No tiro, sobretudo, em carabina, sou quase perfeito.

Coisas de que mais detesta?

– Viagens, gente fiteira, fascistas, racistas, homem avarento ou grosseiro com mulher.

E das que mais gosta?

– Mulher, mulher e mulher.

Só?

– Sem falar de meus filhos e meus amigos.

Lugar bom para se viver?

– Moro em Paris, mas não há nada como o Rio para me fazer feliz.

Bebida preferida?

– Uísque, com pouca água e muito gelo.

E de dançar?

– Gosto muito também, daí me chamarem boêmio.

Como gostaria de morrer?

– De repente, não mais que de repente, e se possível de morte natural.

O que pediria caso lhe fosse dado o direito de viver outra vez?

– O pau um pouquinho maior.

Jornalismo é também encontro, conversa e descoberta

(Por Samária Andrade. Fotos: Maurício Pokemon)

Acho que gostamos de pensar assim do lado de cá: encontro, conversa, descoberta.

A repórter Luana Sena tentando descobrir o lado B do Validuaté

A repórter Luana Sena tentando descobrir o lado B do Validuaté

Claro, às vezes nos salvam um telefonema ou um e-mail, mas nada substitui a conversa face to face. Olhar para onde olha o entrevistado, acompanhar seus gestos, saber se tosse, se engasga. Olhar como tá vestido, como senta, se fuma e como fuma, se levanta, se interrompe, se fala rápido ou devagar. Se pede pra você repetir a pergunta, se recusa a sua pergunta. Se parece te examinar e você, repórter, já nem sabe mais se controla a cena ou se há cena alguma para controlar. Se o entrevistado estava nervoso, se te deixou nervoso. Se toma cafezinho depois do almoço. Se tem uma cadeira preferida na mesa. Se cruza a perna. Se usa mais a mão direita. Se tem letra legível. Se limpa os óculos. Se tentou ler as suas anotações. Se estava apressado, perfumado, descabelado. Se era um dia incomum ou pareceu tudo tão relaxado.

No e-mail ou telefone você não vê nada disso. No e-mail você perde a chance de esconder a sua listinha de perguntas quando, diante do encontro, elas ficam mofadas, a pesar no seu bloquinho.

Jornalismo. Encontro, conversa, descoberta.

No e-mail como saber que o escritor Luiz Alberto adorou a paçoca?

No e-mail, como saber que o escritor Luiz Alberto adorou a paçoca?

A entrevistada Marinalva também está no modo como recebe, na toalha da mesa, no almoço que serve

A ativista Marinalva Santana também está no modo como recebe, no sítio onde mora, na toalha da mesa, no almoço que serve

 

 

O poliamor das leituras

Eu sou promíscua. Calma, que eu vou explicar. É que eu me apaixono por vários livros ao mesmo tempo. Deve ser falha de caráter, transtorno psiquiátrico ou prato cheio pra psicólogo que adora uma disfunção mental. O fato é que eu não consigo começar uma leitura e terminá-la completamente para começar outra. Quando percebo, estou envolvida em um emaranhado de leituras que disputam minha constante atenção e esperam que eu termine algumas páginas da outra leitura para retomá-las em seguida.

É um jogo de sedução. Você flerta com uma leitura, namora a capa, lê a orelha, folheia duas ou três páginas e já é tomada por um desassossego de querer ler tudo até o final. Acontece que nesse meio tempo, as leituras menos avantajadas intelectualmente, desprovidas de simultânea leveza e profundidade perdem espaço para um livro de poesia que estava na geladeira, esperando um momento de solterice ou iminente traição literária. Ele te fisga em pleno dia de cão, momento que você só precisa percorrer algumas páginas de maneira despreocupada e, subitamente, encontra-se perdidamente apaixonada por aqueles versinhos curtos, porém de uma eloquência arrebatadora.

Fica difícil levar dois relacionamentos ao mesmo tempo. Um romance complexo e detalhista que lhe toma tempo, porém é insubstituível, enquanto uma poesia sedutora mexe com os seus sentidos. No meio desse fogo cruzado, você se sente culpada e quer voltar para a realidade e se pega lendo crônicas de Rubem Braga! Uma compulsão obsessiva incontrolável. Pior que não se contenta com um livro só, quer dois, três, quatro, uma orgia literária: quer todos ao mesmo tempo!

Tem gente que é cegamente fiel. Começa e termina um livro, sofre uma deprê pós-término até se sentir apto a se envolver com novos livros. Coisa de gente que tem olhos para uma leitura só.

Tem gente que não sabe o que quer. Começa um livro, não termina, começa outro, não termina também. Quando vê, não terminou livro nenhum nem deixou uma explicada justificativa. Deve ter largado por aí muitos corações literários partidos, decepcionados e frustrados, que vão demorar a se recompor para se deixar serem lidos novamente. Um sofrimento.

E tem gente que é que nem eu. Às vezes, desiludida ou entediada com determinado envolvimento literário, começa um novo flerte. De vez em quando, eu me apaixono perdidamente, porém não são raras as circunstâncias decepcionantes. Nessa busca por outras perspectivas, procurando preencher esse vazio causado pelas leituras, acaba se formando um enorme abismo provocado por enredos mal-escritos, personagens enfadonhos ou até mesmo a monotonia da rotina de leitura.  São ciladas que, às vezes, a gente dá o azar de cair nessa troca do certo pelo duvidoso.

O ruim é que nem sempre você encontra colo nas outras leituras. Mas é coisa de gente que não presta mesmo e adora a aventura de experimentar livros novos. O risco do desengano é grande, mas tem prazeres que compensam os perigos.

Debochados desvalidos

Sejam todos bem-vindos à República dos Desvalidos! Uma trupe mambembe anuncia a inauguração de mais um conjunto habitacional com pouca nobreza e desassistido de tudo. Ali, como bem nos apresentam os personagens, se vive com o pé na lama. Mas mesmo na lama se acha algum brilho.

Montagem do Grutepe para o texto de 1986 (Foto: Mauricio Pokemon)

Montagem do Grutepe para o texto de 1986 (Foto: Mauricio Pokemon)

A peça teatral parte da busca dos moradores do fictício Itararé por melhorias na comunidade. Todos os personagens do subúrbio estão ali: o bêbado, a lavadeira, a dona de casa, o líder comunitário e a filha que volta de viagem cheia da pose mas também está na miséria. Tudo isso é revelado com muito bom humor e leve pitadas de drama. “Aqui tudo é uma mistura de desgraça com deboche”, diz Joana Maria em uma das cenas.

República é uma peça de José Afonso Lima, dramaturgo piauiense, e estreou pela primeira vez em 1986. Agora, quase 30 anos depois, o texto volta em nova montagem do Grupo de Teatro Pesquisa – Grutepe, com direção de Arimatan Martins e composições de Aurélio Melo – sim, trata-se de uma comédia musical, extremamente bem conduzida pela sonoridade do maestro que volta e meia cai em cena com os atores num misto de improviso e descontração.

O cenário traz soluções simples e de belo efeito visual – o palco às vezes vira rua, praça, inauguração de um centro na comunidade ou mesmo a sala da casa de dona Joana. Lari Sales, Vera Leite, Eliomar Vaz Filho e Fábio Costa já estavam no antigo elenco. Em 2006 entraram Bid Lima e Marcel Julian. A novidade nesta versão está na beata Marta Carvalho, interpretada por Edithe Rosa.

Crítico e cômico, o texto satiriza da religião as políticas habitacionais do governo. “Itararé é um privilégio nacional. Podia ser em qualquer canto do Brasil”, diz um dos personagens pouco antes de entrar em cena uma releitura da lenda mais conhecida – e sempre atual – do nosso folclore: o pescador que mata a mãe por não ter o que comer. Mais uma vez a miséria dando o tom.

Desbocados e bem piauienses, todos os personagens trazem um drama pessoal – destaque para o canto da lavadeira, a mais radiante e alegre personagem, que conta ter perdido o marido e três filhos para o rio em momento comovente. Nessa hora é Lindalva, a jovem meio patricinha da favela que surpreende ensinando a vizinha: “A dor ajuda a alimentar a alma”, diz, consolando. “Se a gente fraquejar é que a coisa desanda de vez”.

FestLuso –
30/08 | Theatro 4 de Setembro | 20h30
(Entrada franca)